Opinião

FUTURO NEGRO

Luiz Augusto L. da Silva *

            Conforme observa o professor Fernando Lang da Silveira, do Instituto de Física da UFRGS, em seu comentário a respeito das nossas Oficinas de Astronomia® 445 e 448, disponíveis no canal da Rede Omega Centauri no Youtube – onde demonstramos que o Dilúvio bíblico simplesmente não existiu – “vivemos tempos terríveis, em que a razão e as evidências são substituídas por crenças e mitos da era do Bronze”.

            Não se trata de fato inédito na história da civilização e da cultura humanas. Saímos das luzes da Antiguidade Clássica para mergulharmos de cabeça no obscurantismo sufocante da Idade Média. Então, fomos resgatados pelo sol do Renascimento, depois de quase dois mil anos, e passamos a experimentar uma nova era dominada pela racionalidade. O apogeu deste período talvez tenha sido alcançado nos séculos XVIII e XIX. Durante o século XX, apesar de todo o avanço científico e tecnológico, recomeçamos a decair.

            O problema agora é que estamos entalados num gargalo, vivenciando um período crítico, onde a civilização está prestes a colapsar inexoravelmente. Voltar as costas para o conhecimento científico, e abraçar de novo o misticismo vai apressar nosso fim. E é o que está acontecendo, numa velocidade estonteante.

            Na esteira de um surto global dirigido de imbecilização em massa, vêm a falência do pensamento crítico, e o desinteresse pelas questões fundamentais da natureza, sem falar no desdém pela Educação. Nada mais importa, entusiasma ou sequer assusta. Nem a origem do Universo, nem a iminência de uma hecatombe ambiental, ou a pandemia de coronavírus. Tudo fica esquecido ao rolar com o dedo a telinha do tamagotchi, atrás das últimas futilidades propagadas pelas redes sociais. A alienação, a apatia, e a indiferença campeiam livres por todos os lados.

Contrastes

            O prêmio Nobel de Física de 2020 foi atribuído a três cientistas: Roger Penrose, da Universidade de Oxford, por seu trabalho sobre buracos negros e a teoria da relatividade, Reinhard Genzel (Instituto Max Planck), e Andrea Ghez, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, estes pela descoberta do buraco negro supermassivo que existe no coração da Via Lactea,  nossa galáxia. O anúncio foi feito no dia 6 de outubro.

            Apenas dez dias depois, na França, o professor Samuel Paty foi decapitado por um estudante, indignado porque ele havia apresentado caricaturas do profeta Maomé em uma aula sobre liberdade de expressão. Estes acontecimentos ilustram os extremos da “civilização” construída pelo Homo “sapiens”. De um lado, a excelência científica, de outro, o atraso da violência, ensejada pelo misticismo e pela ignorância, frutos da falta de Educação.

O Epílogo Amanhã

            Não há espaço para ilusões. A situação é gravíssima, e a maioria continua entorpecida, ignorando tudo. O efeito estufa, a destruição do meio ambiente, a explosão demográfica, os riscos da disrupção tecnológica e muitas outras mazelas são esquecidos, suplantados pela sede por uma aberração chamada lucro, pelo churrasco de domingo, garantido pelo sacrifício criminoso de bilhões de animais, e pelo resultado já previamente acertado do jogo de futebol, uma das maiores máquinas de lavagem de dinheiro existentes.

            Na estupenda apresentação do professor Roberto André dos Santos (ver Oficina de Astronomia® 444, Youtube), obtemos uma estimativa preliminar quantitativa do baixo nível ético-moral da humanidade, quando ele menciona um estudo realizado na antiga União Soviética, apontando que 83% dos seres humanos são egoístas, gananciosos, ambiciosos e trapaceiros. Sucumbiremos exatamente por causa destas características detestáveis.

            O historiador israelense Yuval Noah Harari chama a atenção, em seus livros, para o que está por vir: guerras por água e comida, e desemprego em massa. Algoritmos, robots, e a inteligência artificial poderão superar as habilidades do Homo “sapiens” em todas as profissões e áreas de conhecimento, dentro de 20 ou 30 anos. Prepare-se para perder seu emprego. Não serão bilhões de desempregados, e sim bilhões de “inempregáveis”, quer dizer, elementos inaproveitáveis, completamente inúteis. Nesta situação, num mundo regido pelo dinheiro, a quantidade de estresse, que já é enorme, ainda crescerá muitíssimo mais. Somente os mortos desfrutarão de paz. Não existe nenhuma evidência hoje de que tais problemas serão evitados amanhã, muito pelo contrário.

            A Educação, aliada à produção de conhecimento puro e aplicado de qualidade, poderiam evitar que resvalemos no horizonte dos eventos do buraco negro da extinção. Mas, enquanto nas melhores Universidades estrangeiras, professores octagenários laureados com o Nobel são cada vez mais reconhecidos e prestigiados, em pseudo-universidades privadas brasileiras professores sexagenários competentíssimos e experientes são sumariamente demitidos, às pencas. Como afirmou o professor Roberto: “Já é tarde demais”…

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

20201116

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