Crônicas

A LUA E OS INSETOS

Luiz Augusto L. da Silva*

            Existe uma vasta literatura sobre a influência do ciclo das fases lunares, também conhecido como lunação, na atividade dos insetos, especialmente de mosquitos e de mariposas. Não se trata de astrologia, e sim de entender como aqueles animais reagem, influenciados pela luminosidade variável do nosso satélite natural.

            De fato, muitos animais usam o Sol ou a Lua para orientar seus movimentos [ver, e.g., Papi e Pardi (1963), Biol. Bull., 124, 97; Bidlingmayer (1964), Ecology, 45, 87; Bidlingmayer (1974), Journ. Med. Ent., 11, 119; Mishira et al. (1996), Bull. Ent. Res., 86, 475]. As mariposas se orientam pela luz, então a Lua pode servir de estímulo para a sua mobilidade.

            Também o grau de polarização do céu noturno é usado por insetos para orientação espacial. Neste aspecto, Nowinszky et al. (2009, Journal of Applied Entomology, 88, 337) descobriram maior incidência de insetos nas noites em que a luz do luar é mais fortemente polarizada, o que ocorre ao redor de um ângulo de fase de ± 90 graus, ou seja, nos quartos crescente e minguante (o ângulo de fase lunar é medido desde -180 graus, na Lua Nova, até 0o na Lua Cheia, e daí até +180 graus na Lua Nova seguinte).

            Em 1811, o físico e astrônomo francês Jean Dominique Arago (1786 – 1853) descobriu que a luz do luar, por ser luz solar refletida a partir da superfície lunar, mostrava um grau de polarização variável. Medidas posteriores deste efeito foram publicadas por Dollfus (1957, Supplements aux Annales d’Astrophysique, 4, 3), e mais recentemente por Bazzon, Schimid, e Gisler (2013, Astronomy and Astrophysics, 556, A117).

            Nowinszky e seus colaboradores descobriram, ademais, que nos mínimos de polarização, isto é, na Lua Cheia e na Lua Nova, a incidência de insetos é menor, sendo fortemente afetada pelas condições de intensidade luminosa no ambiente das imediações da armadilha luminosa usada para capturar insetos. Aprofundando este estudo, eles analisaram o comportamento de 8 espécies pertencentes a 7 famílias de insetos, e encontraram variações de comportamento entre elas, quando se levava em conta os fatores de intensidade luminosa e grau de polarização [Nowinszky et al. (2012), Research Journal of Biology, 2, (3), 79].

Fig. 1 – O grau de polarização da luz do luar, medido em diferentes bandas fotométricas padrão, em função do ângulo de fase [Bazzon, Schimid, e Gisler, (2013), Astronomy and Astrophysics, 556, A117].

            Mas vasta é também a diversidade de conclusões das pesquisas. Os índios tupis-guaranis afirmavam que as noites enluaradas tinham muito mais mosquitos. Mas Bradley e McNeel (1935, Journ. Econ. Ent., 28, 780) e Hosfall [1943, Ann. Ent. Soc. Amer., 36, (1), 41], que estudaram muitas espécies de mosquitos, incluindo o do gênero Anopheles, conhecido vetor da malária, concluíram que a incidência e grau de atividade são maiores na Lua Nova!

            Resultado oposto foi apresentado por Provost (1959, Ann. Ent. Soc. Amer., 52, 261) e por Foley et al., (1992, Journ. Aust. ent. Soc., 31, 91). Mais recentemente, Sant’Ana e Lozovei [2001, Rev. Bras. Zool., 18, (2), 365], afirmam não ter encontrado correlação significativa entre o comportamento da espécie Coquillettidia venezuelensis e as fases lunares, relatando sua pesquisa na Mata Atlântica paranaense.

            Igualmente interessantes são os estudos de Davis (1975, Bull. Ent. Res., 65, 81) e Charlwood et al., (1986, Journ. Med. Ent., 23, 132), que procuraram investigar uma possível correlação entre as fases da Lua o nível de atividade hematofágica (picadas) de mosquitos!

            Alguns estudos sugerem que a quantidade de mariposas capturadas em armadilhas luminosas seja menor nas noites de Lua Nova [Nowinszky e Puskás, (2010), Advances in Bioresearch, 1, 205]. Mas esta questão ainda não está de todo esclarecida, uma vez que nas noites de Lua Cheia, dada a maior luminosidade natural, a atratividade luminosa da armadilha poderia ser menor.

            Procurando investigar melhor esta questão, eles concluíram que o luar mais intenso do plenilúnio não é a causa da redução de atividade dos insetos, porque a maioria deles inicia a voar em condições crepusculares, quando a luminosidade diurna residual ainda sobrepuja em muito a intensidade da luz da Lua. E eles ainda salientam que a poluição luminosa ambiental também pode exercer uma influência considerável. Por fim, não descartam que, durante a Lua Cheia, quando o luar é fracamente polarizado, possa haver uma redução da atividade de voo dos insetos, comparada aos níveis de atividade do quarto crescente ou do quarto minguante, mas não em relação ao período da Lua Nova.

            Como se vê, a questão é complexa, e ainda oferece muito espaço para novas pesquisas. Tinha razão Alexander von Humboldt (1769 – 1859), o grande naturalista e explorador prussiano, ao afirmar, no contexto da sua Naturgemälde: a natureza é de fato um reflexo do todo.


* Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 nunca esquece do repelente, em suas observações noturnas.

(www.luizaugustoldasilva.com)

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