Crônicas

A AMEAÇA IMEDIATA

Luiz Augusto L. da Silva*

Estas linhas destinam-se a aqueles que ainda não estão convencidos da gravidade de episódios como a recente pandemia de coronavírus. Ou que consideram os riscos da queda de um grande asteróide, como o que precipitou a extinção biológica do Cretáceo-Paleogeno, remotos demais para justificar qualquer preocupação pragmática.

No microcosmos ao nosso redor, podem existir mais de meio milhão de espécies de vírus ainda desconhecidos pelo mundo afora, cada uma com potencial de deflagrar uma epidemia global catastrófica, a qualquer momento.

Por outro lado, no macrocosmos, asteróides com 10 quilômetros de diâmetro impactam a Terra em média uma vez a cada 100 milhões de anos. A catalogação dos chamados “asteróides rasantes à Terra”, objetos muitas vezes na faixa de diâmetro entre várias centenas de metros a um quilômetro, fica a cada dia mais completa, e indica que não existe nenhuma ameaça que possa nos preocupar seriamente a curto prazo.

Mas não podemos descuidar. A civilização globalizada existente hoje encontra na interdependência crítica entre seus mais variados segmentos, a prova mais contundente de  extrema fragilidade. Basta comprometer um elo da corrente, e tudo virá por água abaixo.

Neste sentido, o perigo do impacto de um grande meteoróide ou pequeno asteróide, na faixa de 10 m a 100 m de diâmetro,  é muito real, imediato, e nada desprezível.

Estima-se que um meteoróide de 1 m de diâmetro atinge nosso planeta a cada uma ou duas semanas; um de 10 m cai a cada 15-20 anos; e um com 20 m a cada 50-100 anos [Brown et al., (2002), Nature, 420, 294; Boslough, Brown e Harris, (2015), Proceedings IEEE Aerospace Conference, p. 1; Harris e D’Abramo (2015), Icarus, 257, 302]. Estudos recentes, como os que acabamos de referenciar, indicam que a frequência de um evento como Tunguska, na Sibéria, não é de um em 103 anos, como até agora se acreditava, mas bem maior, por um fator da ordem de 10.

Devastação na Sibéria: Tunguska, 1908.

Só nos últimos cem anos, possuímos mais dois registros de eventos semelhantes, Rio Curuçá, no Brasil, e Cheliabinsk, na Rússia, demonstrando cabalmente que até mesmo objetos com diâmetros de 1 a 20 metros nos oferecem grande risco [vejam, e.g., Chapman e Morrison (1994), Nature, 367, 33, e Brown et al., (2013), Nature, 503, 238].

A explosão de Tunguska foi equivalente a 10-15 megatons de TNT, o suficiente para devastar 2000 quilômetros quadrados de florestas siberianas desabitadas, naquele início de manhã de 30 de Junho de 1908. Tivesse ocorrido sobre São Paulo, riscaria a cidade do mapa num piscar de olhos, deixando um rastro instantâneo de mais de 20 milhões de mortos. Pandemia de coronavírus seria fichinha…

Já se calculou que, se  aquele meteoróide tivesse caído apenas quatro horas e meia mais tarde, teria acertado em cheio a cidade de São Petersburgo (ex-Leningrado), que hoje tem 5 milhões de habitantes!

Cheliabinsk

Em 15 de Fevereiro de 2013, uma bola de fogo impressionante riscou o céu em pleno dia, próximo à cidade de Cheliabinsk, também na Rússia. A cidade possui 1.2 milhão de habitantes, e contabilizou mais de 7200 prédios danificados, quedas de telhados, e vidraças estilhaçadas, registrando-se 1491 pessoas feridas, a maioria atingidas por cacos de vidro. Este foi o saldo destruidor da onda de pressão associada ao deslocamento supersônico do bólido através da baixa atmosfera.

Cheliabinsk, 2013: bola de fogo mais brilhante que o Sol.

A massa do meteoróide foi calculada em 1.3 x 107 kg, seu diâmetro  entre 18 e 20 metros, e sua velocidade em 9 km/s (Mach 27!). Ele iniciou o processo de ablação a 97.1 km de altitude, terminando em 29.7 km. A magnitude máxima alcançou -27.3, trinta vezes mais brilhante que o Sol (magnitude -26.7). A explosão terminal arremessou vários meteoritos, alguns dos quais foram recolhidos, revelando-se de natureza não metálica e predominantemente rochosa (condritos). A intensidade da explosão? “Apenas” 500 quilotons de TNT!

Um dos meteoritos oriundos do bólide de Cheliabinsk, 2013.

Um estudo recente [Nayeob, Brown, e Aftosmis (2018), arXiv:1802.07299v1 [astro-ph.EP] 20 Feb 2018] concluiu que danos severos em janelas podem acontecer inclusive para explosões de bólidos bem menores, entre 5 e 10 quilotons. Tais bólides ocorrem com frequência de um a cada 1-2 anos em algum lugar do globo. Um bólido como o de Cheliabinsk provavelmente ocorre uma vez a cada 60 anos.

Tunguska Brasileiro

Próximo à fronteira Brasil-Peru, na região da bacia do rio Curuçá, um bólido gigantesco explodiu sobre a selva amazônica no princípio da manhã de 13 de Agosto de 1930 [Bailey et al., (1995), The Observatory, 115, 250; Gorelli (1995), Meteorite!, Ago/1995, p. 26; Steel (1995), WGN Journal of the IMO, 23, (6), 207; Huyghe (1996), The Sciences, Mar/Abr/1996, p. 14; Vasilyev e Andreev (1989), WGN Journal of the IMO, 17, (6), 247]. Corderoa e Poveda [2011, Planetary and Space Science, 59, (1), 10] descobriram uma cratera com 1.2 quilômetros de diâmetro em imagens da região obtidas pelos satélites da série Landsat. Uma testemunha disse que viu uma bola de fogo enorme proveniente do norte, e que explodiu três vezes. Abalos sísmicos foram registrados por sismógrafos na Bolívia [Vega (1996), Revista Geofísica del Instituto Panamericano de Geografia y Historia, 44, 201] por volta das oito horas da manhã daquele mesmo dia.

Localização do impacto de 13 de Agosto de 1930, na fronteira Brasil-Peru.

Estima-se que a massa do meteoróide fosse entre mil e 25 mil toneladas, e que tenha se desintegrado a uma altura de 5 a 10 km, mais ou menos como no caso de Tunguska. O mineralogista russo Leonid Kulik (1883 – 1942) menciona este notável evento sul-americano em um de seus artigos [Kulik (1931), Priroda i Ljudi, 13-14, 6 (em russo)].

O astrofísico Jorge Ramiro de la Reza, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, coordenou uma expedição até o local em Junho de 1997, ressaltando na ocasião que este fenômeno ainda precisava ser muito melhor investigado [de la Reza et al., (2004), 67th Annual Meteoritical Society Meeting].

Uma provável ligação deste bólido com a chuva de meteoros anual  Perseidas, famosa no hemisfério norte, chegou a ser proposta por Bailey et al., (1995 – ref. cit.).

Também existem referências esparsas a outro evento semelhante, igualmente sub-investigado, que teria ocorrido na Guiana, em 11 de Dezembro de 1935, nas imediações do Monte Marudi.

Enquanto a Terra singra cega por um oceano cósmico de balas perdidas, e um universo de vírus oportunistas viceja à espreita nas profundezas selvagens da biosfera, os terráqueos, auto intitulados racionais, preferem manter um olho nos índices das bolsas de valores, e outro nas cotações de moedas como dólares e euros.

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

(www.luizaugustoldasilva.com)

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