Luiz Augusto L. da Silva *
De uma forma inédita, do dia para a noite, o novo coronavírus pôs em cheque o sistema global que serve de espinha dorsal da civilização humana. Quarentenas, lockdowns, fronteiras fechadas e isolamentos sociais interromperam abruptamente as cadeias de circulação de “riquezas”, impondo duríssimo golpe aos fiéis seguidores da religião do Dinheiro, ao sobrepor a preservação da vida aos interesses financeiros.
Ainda que timidamente, surgem iniciativas individuais e coletivas de ajuda e solidariedade. Aquilo que, há séculos, já deveria ser rotina generalizada, e não exceção casual, começou a acontecer diante do aperto sério da crise. Distribuição de refeições a quem ficou sem condições de ganhar o necessário para seu sustento, doações, auxílios emergenciais, esmolas, e outros ítens constituem exemplos.
No interior do Rio Grande do Sul, uma empresa de vidros decidiu doar suas sobras – diga-se seu lixo – para os pobres que não têm como blindar janelas contra o frio cortante do inverno gaúcho, uma excelente maneira de economizar na hora de descartar o estorvo que não gera mais lucro. A nível mundial, atropelam-se todos os protocolos usuais na corrida pela produção de vacinas eficazes, que possam livrar o planeta da calamidade sem precedentes que se abateu sobre ele, unindo esforços de laboratórios, governos, cientistas, universidades, e mega corporações farmacêuticas multinacionais num esforço maciço de cooperação nunca dantes visto, na guerra contra o vírus. Nada de magnitude comparável aconteceria em tempos de paz.
O detalhe: tudo isto é feito – não se enganem – por causa do Dinheiro. Ainda que a tão desejada vacina seja ofertada de graça para todos, quando estiver disponível. A hipocrisia de sempre mais uma vez se esconde, sem escrúpulos, por detrás do manto de uma suposta preocupação legítima com a saúde pública e o bem estar geral.
E alguns nem se preocupam em dissimular. Um exemplo escancarado e contundente é o comportamento da Gislead Sciences, detentora da patente do medicamento Remdesevir, até o momento o único com eficácia comprovada contra a Covid-19. Os representantes da companhia especulam que um tratamento individual com este remédio poderia custar até 30 mil dólares. Mas o custo de produção de uma ampola é de apenas 93 centavos de dólar! A empresa vê aí uma “excelente oportunidade de negócios, por vários anos”…
Se o coronavírus não estivesse fazendo o estrago que está, se fosse “mais uma gripezinha qualquer”, economicamente inofensiva, ninguém estaria preocupado, e não haveria vacina. Como no caso da AIDS. Ou ela só chegaria depois de uma década. Como a vacina contra o ebola. Houvessem seus surtos devastadores e letais ocorrido na Europa ou na América do Norte, como aconteceram na África, a vacina viria em seis meses, como teremos a do coronavírus. Baixíssimo o nível de desenvolvimento ético-moral do Homo “sapiens”. Somado à alta tecnologia mal empregada, ambos serão algozes da civilização. Mas não vos desespereis: após a morte, não haverá mais choro nem ranger de dentes. Nosso fiel e todo poderoso deus Dinheiro nos acolherá, sem separar o joio do trigo, para uma vida eterna repleta de prazeres e felicidade. Sem pestes. Aleluia, irmãos!
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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.
20200614