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RELEMBRANDO ROBERTO ANDRÉ DOS SANTOS

Luiz Augusto L. da Silva*

         Porto Alegre, outono de 1979. Anos setenta, deu pra ti. Nascia a Sociedade Astronômica Riograndense (SARG). Foi quando conheci o Roberto, então estudante de biologia na UFRGS. Era também astrônomo amador, apaixonado pelas maravilhas do Universo.

         Pessoa dotada de grande sensibilidade, muito sério, quase sempre sizudo, de poucas palavras. Raramente sorria, a não ser para expressar alegria e satisfação verdadeiras. Mas quando palestrava nas reuniões semanais, levava os sargueanos ao delírio, com seu estilo discreto e ao mesmo tempo bombástico. Sem nunca elevar a voz, ia direto ao ponto, de maneira simples porém impactante, arrancando aplausos inflamados no final.

         Em uma das noites mais perfeitas e belas de que me recordo, 29 de maio de 1981, no sítio Kappa Crucis, do saudoso companheiro Alceu Félix Lopes, durante a saída a campo que encerrou o primeiro Curso de Astronomia Prática (I CAP) da SARG, lembro-me bem do entusiasmo do Roberto quando, no início do clarear ainda tímido do dia, disse-nos ― orgulhoso ― que havia conseguido observar todos os planetas do sistema solar (exceto Plutão) naquela única noite, “inclusive Urano e Neptuno“, como fazia questão de falar ― e de escrever.

         Após concluir o curso de graduação e o Mestrado em biologia, onde desenvolveu uma dissertação sobre mimetismo em   borboletas,  o  professor  Roberto foi   lecionar Ciências para alunos das escolas da rede municipal da capital gaúcha. Assim trabalhou por muitos anos, até que um lamentável infortúnio  privou-lhe de grande parte da visão. O obstáculo, contudo, não foi capaz de minar sua curiosidade científica. Mesmo com grande dificuldade, quase cego, enxergava muito mais e mais longe que a imensa maioria dos que andam por aí. Também lia e escrevia.

         Aposentado, continuou em atividade, passando a exercer, a partir de 2018, o cargo de vice-presidente da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica. Gravou diversas Oficinas de Astronomia, disponíveis no YouTube. Todas são excelentes, porém a que expõe a teoria da Evolução (Oficina número 428) é verdadeiramente estupenda! Foi também coordenador do Núcleo de Meteorologia da Rede, onde criou o Programa de Observações Potamométricas (POP), responsável durante muitos anos pelo monitoramento independente das catástrofes climáticas de secas e enchentes em nosso estado.

         Comunista e ateu convicto, reconhecia e afirmava a necessidade da preservação do meio ambiente, aliada ao combate da frivolidade consumista, salientando o caráter não científico de uma aberração conhecida como Economia, e a imoralidade de conceitos como comércio, dinheiro, e do que costumava referir como o destrutivo “meme do lucro“.

         Apaixonado por trilhas e aventuras, no verão de 2007 tomou parte de uma expedição que organizamos pela mata atlântica exuberante da região de Barra do Ouro, no litoral norte gaúcho, em busca de uma cascata praticamente intocada. Durante todo o tempo, brindou-nos incansavelmente com uma inesquecível aula sobre a flora e a fauna da região.

         Algumas declarações do Roberto sempre me marcaram fundo, e ressurgem a todo momento em minha memória: “como é maravilhoso aprender!“, “não existe nada melhor que uma boa aula ministrada apenas com quadro negro e giz“, “civilizações tecnológicas são becos evolutivos sem saída“, e “já é tarde demais…“, entre outras. Junto com ele, assino embaixo de todas elas.

         Algumas vezes trocamos ideias sobre assuntos controvertidos como “vida após a morte” e a eventual sobrevivência da personalidade. Tudo dentro do terreno científico, é claro. Tive oportunidade de lhe expor algumas das ideias nas quais venho trabalhando há muitos anos, e que ele também considerou razoáveis.

         Se estou certo ou não, ele já deve saber a resposta porque, na manhã de 14 de março de 2025, recém findo o eclipse total da Lua, Roberto nos deixou. Inesperadamente. Precocemente. Uma injustiça perpetrada pelo destino estúpido e inconsciente, regido pelo mais absoluto acaso.

         Mas, com certeza, sua obra não haverá sido em vão. Seu exemplo marcante há de continuar influenciando a todos aqueles que nutrem o desejo de conhecer e compreender como funcionam a natureza e o Universo.

         Roberto jamais será esquecido. Nem por sua família, amigos, esposa, e filha ― que recebeu o nome próprio de uma estrela. Nem por toda a equipe da Rede Omega Centauri. Nem pelos colegas da SARG, daqui e d’além mar. E de todas as pessoas que, ao menos por um dia quando não por décadas, tiveram o privilégio de conhecê-lo e desfrutar do seu convívio.

         Valeu, amigo!

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* Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, presidente do Conselho Curador da Rede Omega Centauri.

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