Opinião

f(x ) = e^x

Luiz Augusto L. da Silva *

Não quero que tenham medo, quero que

tenham pânico.

Greta Thunberg, ativista ambiental.

            Lembram-se das aulas de matemática? Em especial, da função exponencial? Recordemos: a função f(x) = ax, com a pertencente ao conjunto dos números reais, e a > 1 denomina-se função exponencial crescente de base a. Seu gráfico é apresentado na figura 1.

Gráfico de uma função exponencial crescente. Crédito da imagem: Wikipedia

            Físicos e matemáticos nutrem uma paixão especial pela função exponencial, e por um certo número irracional, o número de Euler e, cujo valor é e = 2,71828…, considerado uma constante matemática fundamental, usado como base dos logaritmos naturais, resultado da soma da série infinita convergente 1/n! . Eles frequentemente costumam trabalhar com uma função exponencial em particular, a função f(x) = ex. Tudo bem, se você não gosta muito de cálculo. Nossa recapitulação da matemática termina por aqui.

            Agora, um pouco de climatologia. Na figura 2 podemos apreciar a evolução com o tempo da anomalia média da temperatura global do planeta Terra. Anomalia significa desvio a partir de um valor médio, que serve de referência. Para mais, ou para menos. No nosso caso, é para mais. Como todos sabem, a Terra está aquecendo. E o culpado por isso chama-se Homosapiens“. Com sua ganância e teimosia.

O aumento da temperatura média da Terra no período compreendido entre 1850 e o momento atual. Crédito da imagem: Global Temperature Report for 2024/Robert Rohde/Berkeley Earth.

            Retornemos, agora, só por um breve momento, para a matemática. Vamos analisar mais de perto o gráfico da figura 1. Notem que, para valores pequenos de x, até certo ponto, a curva pode ser aproximada por uma linha reta, quase horizontal, com baixa declividade positiva, ou seja, uma função linear que cresce muito lentamente. Depois, existe uma espécie de ponto de mutação difuso, onde a declividade começa a aumentar de forma considerável. Teoricamente, se x tender a infinito, f(x) também irá explodir.

            Voltemos ao aquecimento global. Da figura 2, é muito fácil verificar que o efeito estufa começou a se manifestar de forma mais importante a partir da segunda década do século XX em diante. De 1940 a 1980 experimentamos um período de relativa estabilidade, mas com grandes oscilações, talvez com vestígios até mesmo de uma breve tendência de resfriamento, muito tímida. Que não durou muito. Então, a partir de 1980, as coisas mudaram de novo, e a temperatura começou a aumentar mais rápido. Entramos na fase exponencial, onde as coisas começam a acontecer velozmente. Acelerou mais ainda de 2020 para cá.

            Na figura 3, a curva em vermelho representa o nível de concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre em partes por milhão (ppm), enquanto a curva azul mostra a anomalia térmica. Quaisquer semelhanças entre a figura 3 e a figura 1 não são coincidências. Grosso modo, tanto a concentração de CO2 quanto o aquecimento global estão se comportando como funções exponenciais crescentes. E o risco disso é que o efeito estufa poderá tornar-se irreversível, uma runaway reaction, ou reação descontrolada. Na matemática, conforme já ressaltamos, a função exponencial explode quando x tende a +∞. Na física da vida real, o resultado pode ser diferente: uma temperatura muito alta, um efeito estufa mortal, assim como acontece com o planeta Vênus. Verdade, nem de longe tão  intenso   quanto o  que  irá acontecer  daqui a cerca de um bilhão de anos, quando o Sol estiver 10% mais brilhante que hoje, e acabar de vez por todas com a novela da vida na Terra. Porém, suficiente para induzir o colapso total da civilização tecnológica humana, e gerar um evento de extinção de espécies biológicas em massa como nunca visto antes, reduzindo qualquer forma de vida eventualmente sobrevivente a meros microorganismos hipertermofílicos (e.g., Sulfolobus acidocaldaris), talvez nem esses.

Em vermelho: aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre (medida em partes por milhão, ppm). Em azul: evolução recente da anomalia térmica média da Terra. Crédito da imagem: Richard Tuckett, 2015.

            A última década incluiu os dez anos mais quentes desde 1850. E a espícula na curva de anomalia térmica correspondente ao biênio 2023-2024 foi classificada pelos especialistas como “extrema” e “alarmante“. No mundo inteiro as catástrofes climáticas tornaram-se cada vez mais severas e frequentes. Viraram rotina. E podem ter certeza que os próximos anos não nos reservam coisas boas.

            Enquanto o efeito estufa acelera, os “sapiens” realizam COP’s uma vez ao ano sem nada decidirem em termos de medidas imediatas e eficazes para combatê-lo, ao mesmo tempo em que governantes insanos reeleitos por massas de cidadãos acéfalos insistem em desconsiderar a importância da questão. Afinal, o dinheiro conta mais…

Rio Grande do Sul

            Na América do Sul, no Brasil em particular, o estado do Rio Grande do Sul está situado num dos epicentros mais críticos de todo o planeta, em termos de vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas. Localizado na zona limítrofe entre bolhas de calor cada vez mais agressivas e massas de ar polar, o estado experimenta um conflito eterno que só aumenta em violência, com frequentes ciclones  arrasadores e  tempestades ferozes, precipitações diluviais e inundações, além de secas e ondas de calor.

            Em anos recentes, catástrofes climáticas se sucederam uma após a outra, culminando com a grande enchente de Maio de 2024, que alguns especialistas já especulam poder repetir-se em algum momento antes de 2030.

            Resido no litoral gaúcho desde a primavera de 1990. Nos primeiros anos daquela década, nem se pensava em usar ventiladores nas noites de verão. Na virada do milênio, eles se tornaram indispensáveis. E a partir de 2010, condicionadores de ar  foram promovidos a ítens de primeira necessidade.

            Não há espaço para ilusões. Sejamos realistas: as coisas vão de mal a pior, e é muito provável que nunca venha a ser possível completar a reconstrução do estado antes que um novo evento climático extremo volte a causar destruição significativa.

            As alterações estão por aí mesmo, saltando aos olhos. Só não enxerga quem não quer. E não quer porque não deseja desviar os olhos de uma porcaria chamada dinheiro. Reverter a situação? Impossível, sem fazer o que de fato é necessário e deveria ser feito. Mesmo assim,  pode ser que já seja muito tarde.

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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www.redeomegacentauri.org

20250303

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