Opinião

PORTA-AVIÕES

Luiz Augusto L. da Silva *

            Dizem que um moderno porta-aviões da classe Nimitz custa cerca de 8.5 bilhões de dólares para ser construído. Dentro das regras do game Economia, inventado pelos “Sapiens“, o que poderia ser feito com toda esta quantidade de dinheiro? Olhos biônicos muito superiores aos olhos naturais, capazes de varrer a cegueira da face da Terra? Acabar com toda a fome existente no mundo? Curar inúmeras doenças? Desenvolver tecnologias limpas? Salvar milhares de espécies vivas em risco de extinção? Reverter a destruição em massa da biosfera terrestre? Descobrir se houve – ou ainda há – vida em Marte? Esquadrinhar os oceanos subterrâneos profundos do satélite Europa, em busca de sinais de formas de vida? Ou o que mais?

            Desculpem pelo clichê velho e batido, mas é que ele continua verdadeiro… Uma das inúmeras provas contundentes da nossa extrema inferioridade ética e da nossa enorme falta de educação é que preferimos, e não medimos esforços para construir porta-aviões, antes de solucionar problemas reais gravíssimos. Outras poderiam ser apontadas. O espaço exíguo disponível para esta modesta coluna é insuficiente para apresentar uma lista minimamente completa.

            Porta-aviões são uma das joias da coroa da nossa excelência tecnológica. Seus projetistas e engenheiros os descrevem com os olhos brilhando de entusiasmo. Pode-se assisti-los nos documentários de TV por canais de assinatura. Ao invés de orgulho, deveriam sentir vergonha. Profunda e imensa vergonha. Vergonha por ter contribuído para a construção de um artefato tecnológico para lá de complexo, mas cuja finalidade última é matar e destruir. Subtrair, em lugar de somar. Disseminar sofrimento e semear infelicidade a seus alvos eventuais, os “inimigos”, sejam quem forem.

Ucrânia

            Outro dia, um telejornal relatou a morte de dois civis na Ucrânia (entre tantos que já morreram por lá…). Tinham ido buscar água para beber. Uma bomba russa caiu nas proximidades de onde estavam. A cabeça de um deles voou longe. Cães aterrorizados começaram a ganir e a chorar, logo após o estouro.

            Em vez de construir escolas, creches e hospitais, optamos por bombardeá-los. Eis o clichê velho e batido de novo, mas a justificativa para estas linhas continua sendo a mesma: ele é verdadeiro.

            Como o conflito segue sem perspectivas de epílogo imediato, a mídia já o está esquecendo, abrindo espaço para outros assuntos, muitas vezes superficiais mas mais impactantes, apesar de ainda estarmos a um passo do precipício, com ambos os pés prestes a escorregar.

            Confesso que experimento enorme desgosto de ser humano. De pertencer a uma espécie que domina e destrói o planeta como um câncer em estágio avançado, obstinado em abater seu organismo hospedeiro, desprovido da menor consciência de que acabará matando a si mesmo.

Probabilidade de Sobrevivência

            Em nosso trabalho recente [ver da Silva, 2022, International Journal of Astrobiology, 21, (1), 9-31], introduzimos uma quantidade R chamada “parâmetro ético-tecnológico”, definido como a razão entre o grau de desenvolvimento ético-moral, e o grau de desenvolvimento tecnológico de uma civilização. Você pode atribuir o valor 1 a um alto grau ético ou técnico-científico e, digamos, 0.1 para designar o baixo nível de um ou de outro. Demonstramos que, ao proceder assim, o valor de R é aproximadamente igual à probabilidade máxima de sobrevivência de uma civilização tecnológica. No caso da civilização humana, R = 0.1. Trocando em miúdos: nossa sociedade tem apenas uma chance em dez de escapar da morte. Uma ótima notícia para a saúde do planeta.

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

20220610