Opinião

RECEITA DE SOBREVIVÊNCIA

Luiz Augusto L. da Silva *

We live in a society absolutely dependent on science and technology and yet have cleverly arranged things so that almost no one understands science and technology. That’s a clear prescription for disaster.”

Carl Sagan (1934 – 1996)

            Que estamos todos num gargalo, todo mundo sabe. O que deve ser investigado é quais as medidas necessárias para sairmos dele e aumentarmos nossas chances de sobrevivência a longo prazo enquanto civilização tecnológica, ao mesmo tempo em que fazemos as pazes com o meio ambiente planetário, passando a respeitar os demais integrantes do ecossistema global.

            Será possível? Talvez. Uma receita básica poderia incluir:

– Priorizar maciçamente a educação;

– Cultivar a ciência, e estimular o senso crítico;

– Estabilização ou redução, em lugar de crescimento;

– Abandonar misticismos e patriotismos. Sem ilusões: ninguém está preocupado conosco lá fora, estamos abandonados à própria sorte, filhos do acaso, e nossas fronteiras não fazem nenhum sentido, somos todos terráqueos. Fim de papo.

– Esquecer a economia;

– Banir toda e qualquer forma de dinheiro e idolatria de valores;

– 100% de cooperação e altruísmo;

– 0% de lucro: lucro nunca mais, em lugar algum, em tempo nenhum;

– Todos iguais, sem privilégios, nem luxo: um gari é tão importante quanto um cirurgião cardiovascular com pos-doutorado. Sem um ou sem o outro, a sociedade colapsa.

– Tudo de graça, com qualidade e ao alcance de todos, conforme a necessidade de cada um. Todos trabalhando, todos estudando. O médico vai fazer plantão domingo de madrugada porque sabe que um de seus semelhantes poderá sofrer um infarto e vai necessitar da sua ajuda. Não ganhará nenhum centavo por isso, mas estará lá, voluntariamente, feliz e com sua competência, pronto para servir ao próximo. O que poderia ser melhor que isso???

            Nem é preciso dizer que vários dos ingredientes da receita exposta acima conflitam frontalmente com os pressupostos fundamentais do capitalismo, a grande e insana religião do deus Dinheiro.

            Outro dia escutamos um radialista afirmar que “da economia não tem como fugir.” Como assim?! Alguém já disse que “lei da oferta e da procura não vale em tempos de pandemia”. Então, que “lei” é essa? Aqui se enxerga a diferença entre uma falsa lei, e uma lei científica de verdade, enquanto princípio fundamental da natureza. Por exemplo: tentem fugir da segunda lei da termodinâmica, ou da lei da gravidade… Isto, sim, é impossível! E, se a “lei” da oferta e da procura – apenas um título rebuscado para o princípio da chantagem – pode ser esquecida em tempos de pandemia, porque não esquece-la de vez e em todas as situações, para todo o sempre?!

            Se dispomos das ferramentas para fazer algo, dos recursos humanos, do know how, mas não dispomos dos “recursos financeiros”, então esqueçamos os recursos financeiros e ponhamos mãos à obra! Se algo precisa ser feito, então que se faça logo, se for para o bem de todos. Ninguém ganha dinheiro, mas todos saem ganhando.

            O velho e surrado provérbio popular “a união faz a força” nunca se aplicou tão bem ao momento atual da humanidade. Enquanto persistir o egoísmo, que é fruto da ignorância, a ganância e o meme do lucro estarão vivos, e estaremos todos em risco.


* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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