Luiz Augusto L. da Silva*
Eclipses do Sol são eventos profundamente emocionais. Mexem com os temores inconscientes ligados ao instinto da sobrevivência, presentes em cada um de nós. Prova disso é que quase todos os povos primitivos interpretavam um eclipse solar como resultado de algum ser terrível tentar engolir o Sol. Para os chineses, era um dragão. Para as tribos indígenas norte-americanas, um urso. Para os aimaras andinos, um puma. Com o objetivo de espantar o monstro, o povo se aglomerava nas ruas, batendo panelas, promovendo gritarias e fazendo muito barulho, na ânsia de afastar a ameaça. Sempre dava certo! A fonte de toda a vida renascia fulgente, para o alívio geral. Até o próximo eclipse.
Tipos de Eclipses Solares
Para acontecer um eclipse do Sol é preciso ser Lua Nova. Ademais, nosso satélite deve encontrar-se próximo ao plano da eclíptica (plano da órbita terrestre em torno do Sol), não muito distante de um dos nodos da sua órbita (pontos de intersecção da órbita lunar com a órbita terrestre).
Existem quatro tipos de eclipses solares: parciais, totais, anulares, e híbridos. Num eclipse parcial, a Lua encobre apenas uma parte do disco solar. Mesmo que o obscurecimento máximo seja significativo, digamos até mesmo 99%, ainda assim não se faz noite. O mesmo é válido para um eclipse do tipo anular onde, no instante central, vê-se um anel de sol circundando a silhueta negra da Lua. Estes eclipses se verificam quando o apogeu lunar (máxima distância da Lua à Terra) coincide com a Lua Nova e a proximidade da Lua a um de seus nodos.
Visto da Terra, o diâmetro aparente da Lua é quase igual ao diâmetro aparente do Sol, ambos medindo cerca de meio grau. Esta coincidência permite a ocorrência dos eclipses solares totais. Quando a Lua encobre perfeitamente o Sol, acontece um período de obscuridade noturna (como um crepúsculo profundo) que pode durar desde 2 até 7 minutos. O fenômeno costuma ser visível numa faixa geográfica estreita, com largura típica da ordem de 150 a 200 km, que corresponde aos pontos da superfície terrestre percorridos pela sombra da Lua projetada sobre o nosso planeta.
Num eclipse solar total, normalmente o diâmetro aparente lunar é ligeiramente maior que o diâmetro aparente solar. Quando ambos forem muito aproximadamente iguais, acontece um eclipse híbrido. Neste tipo de fenômeno, dado que o contorno lunar (chamado limbo) é irregular devido às montanhas e vales de seu relevo natural, observa-se um anel luminoso muito delgado, fragmentado em inúmeros pontos luminosos, chamados “pérolas de Bailly”), observáveis na fase máxima, que tem curtíssima duração.
Estatísticas
No período de tempo de 5000 anos que vai do ano 2000 a.C. até 3000 d.C., acontecerão 11898 eclipses solares. Deste total, 3173 (26.7%) são totais, 569 (4.8%) híbridos, 3956 (33.2%) anulares, e 4200 (35.3%) parciais. Vemos, portanto, que os eclipses parciais são, de longe, os mais comuns. Se levarmos em conta que todo eclipse do tipo anular é, a rigor, um eclipse parcial, então os eclipses parciais respondem por 8156 eventos, num total de 68.5%. Os eclipses híbridos são os mais raros, com 5% do total.
De acordo com Jean Meeus [1982, J. Brit. astron. Assoc., 92, (3), 124], para um ponto qualquer da superfície terrestre, acontece um eclipse solar total a cada 375 anos, e um eclipse anular a cada 224 anos. Considerando juntas essas duas variedades de eclipses, em média temos um eclipse total ou anular a cada 140 anos. Olhando a questão mais de perto, percebe-se que a frequência média de eclipses solares totais num dado ponto da superfície terrestre pode oscilar entre 360 e 410 anos. Mas estes números podem variar de maneira significativa.
A Loteria dos Eclipses
Examinemos alguns casos recentes de recorrência de eclipses solares totais. Nos Estados Unidos, por exemplo, no período de apenas 45 anos compreendido entre 1979 e 2024 acontecem 3 eclipses solares totais: 26/Fev/1979, 21/Ago/2017, e 08/Abr/2024. Na América do Sul, Chile e Argentina tiveram 3 eclipses totais e um eclipse anular em apenas 10 anos, entre 2010 e 2020! O eclipse total de 11/Jul/2010 foi visto na Patagônia, passando pela pequena e formosa cidade de Calafate. Em 26/Fev/2017 aconteceu um eclipse solar anular visível no centro sul da Argentina. E em 02/Jul/2019 (ver Oficinas de Astronomia® 434 e 446, no canal da Rede Omega Centauri no Youtube) e em 14/Dez/2020, ambos os países foram interceptados por faixas de totalidade de mais dois eclipses.
Porto Alegre
E na capital gaúcha? Bem, esta cidade é famosa pelas suas inclemências meteorológicas… Porém, independente delas, em matéria de eclipses solares totais, decididamente a sorte abandonou seus habitantes! O último eclipse solar total visível como tal na posição de Porto Alegre aconteceu em 19/Set/1419 (73 anos antes do descobrimento da América!). E o próximo será somente em 08/Jan/2103… Este lapso de 684 anos é quase o dobro do intervalo médio para outros lugares do planeta. A tabela 1 sumariza todos os eclipses solares totais que ocorreram ou ainda vão ocorrer em Porto Alegre, entre o ano 0 e o ano 3000.
Em matéria de eclipses anulares, o último até agora verificou-se em 03/Jan/1927, e o próximo será somente em 12/Set/2034. A tabela 2 fornece todos os eclipses solares anulares visíveis como tal em Porto Alegre, entre o ano 0 e o ano 3000.
Constata-se que, apesar de raros, o eclipses anulares ainda são mais frequentes que os totais, para os habitantes da capital gaúcha. Vamos torcer para não chover, e o céu estar aberto!
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Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 está em contagem regressiva para o eclipse de janeiro de 2103…