Opinião

INSISTIR NO ERRO É…

Luiz Augusto L. da Silva *

            Falta de Educação! Vejam bem. Não estamos enveredando pela via do partidarismo político. Nem poderíamos. A postura da Rede Omega Centauri é permanecer rigorosamente neutra, do ponto de vista político. Somos cientistas. Mas quando a questão envolve a Educação, entendemos oportuno tecer alguns comentários. Vamos lá.

            Era uma vez um reino onde, após muitos anos de relativa prosperidade, a população, em sua maioria despreparadíssima quanto ao senso crítico, sofrera um abrangente e perverso processo de lavagem cerebral. Até mesmo muitos daqueles supostamente mais bem preparados acabaram arrebatados pela estratégia golpista de reprogramação memética conduzida por forças ocultas que visavam colocar os representantes das castas privilegiadas de volta ao poder. Tudo em nome do egoísmo, da ganância, do culto fanático ao deus Dinheiro, amparados pela imoralidade do lucro, do comércio, e do evangelho de um jogo macabro, arrogantemente travestido de ciência, conhecido por Economia.

            O tempo passou. As reformas de interesse dos poderosos andaram rápido, foram aprovadas e instituídas da noite para o dia, prejudicando o povo. As que não atendiam aos anseios do rei e de sua corte suja de nobres comparsas emperraram, mofadas no arquivo morto do esquecimento.

            Felicidade foi embora. A miséria aumentou. Os pobres deixaram de ter emprego, estudo, e comida na mesa. Abrigaram-se embaixo de pontes e viadutos fétidos, pedindo esmolas nas esquinas, ostentando cartazes com pedidos de ajuda, ou fazendo malabarismos para equilibrar-se no circo trágico da vida. Os mais constrangidos nada pediam. Com olhos encharcados e feições tristes, limitavam-se, silenciosos e cabisbaixos, a revirar latas de lixo, em busca de comida e de qualquer coisa que pudesse ser trocada por moedas. Os menos favorecidos deixaram de viajar de avião – lado a lado com os ricos – e de trocar de carro.

            Florestas luxuriantes foram devastadas sem dó nem piedade, e arderam em chamas com fúria nunca dantes vista. Rios foram envenenados com mercúrio, na busca insana por um metal inútil, absolutamente sem valor, conhecido como ouro. Tudo com o aval do rei.

            A educação, a cultura, a ciência, e a saúde pública sofreram cortes homéricos, inacreditáveis, enquanto as mãos dos políticos corruptos locupletavam-se de dinheiro. No lugar de livros didáticos, bíblias. No lugar de um prato com comida, barrigas roídas pela fome, vazias, namorando à distância alimentos com preços astronômicos, inacessíveis. Mendigos morriam de inanição na porta dos hipermercados, ou de doenças no lado de fora dos hospitais. Enquanto isso,  os ricos passeavam de motocicleta, ou jet-skis, rindo da miséria geral.

            E então sobreveio a peste. Em um par de anos negros quase 700 mil vidas foram ceifadas. Pelo menos a metade poderia ter sido salva. Indiferente, o rei escarnecia da situação, caçoando dos pobres diabos que agonizavam entubados, tentando respirar nas UTI’s. E dava maus exemplos, debochando dos médicos, divulgando mentiras através das redes sociais, defendendo remédios comprovadamente ineficazes, e protelando a compra das vacinas. Vacinas, dizia, transformavam pessoas em répteis, além de facilitar a transmissão da AIDS.

            Mas um dia a esperança renasceu. Em raios fúlgidos, pareceu brilhar no céu da pátria após a noite tenebrosa. E o povo votou. No primeiro turno, quase a metade pediu a volta do genocida, preferindo abraçar de novo o demônio, como se fosse deus.

            Ilógico, diria o Senhor Spock. Sim, totalmente ilógico. Acima de tudo, profundamente desumano. É claro que cada um pode pensar como quiser. Trata-se de direito sagrado. Mas preferir o veneno no lugar do antídoto é manisfestação de ignorância extrema. É não dar a mínima para o sofrimento do próximo, fazer vista grossa à miséria alheia, preferindo salvaguardar, talvez, a sua própria situação um pouco mais privilegiada, em detrimento da imensa maioria prejudicada. Se ainda tenho dinheiro no banco, sacio minha fome, consigo andar de carro novo e viajo para a Europa, então que se danem os milhões de desempregados e famintos, e aqueles que se retorcem morrendo na pobreza. E que se dane, também, o meio ambiente e o aquecimento global! Florestas verdejantes não fazem nenhuma falta, mas pedaços de papel pintados de verde dentro da carteira, sim.

            Tremenda falta de Educação… Em meio a este cenário deprimente, que se adiciona ao sombrio panorama mundial, ao banho de sangue na Ucrânia, ao drama dos países pobres do continente africano, apenas dois exemplos de uma comprida lista de desgraças, resta-nos somente um sentimento: vergonha. Vergonha de pertencer à espécie conhecida como Homosapiens“.

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

20221003

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