Luiz Augusto L. da Silva*
A tradicional revista científica britânica Nature, publicou dia 23 de fevereiro os resultados de uma pesquisa conduzida por Melaine During e seus colaboradores da Universidade de Uppsala, Suécia, na qual conseguiram determinar que o impacto asteroidal que desencadeou a mega-extinção biológica em massa na transição Cretáceo-Paleogeno (K-Pg, ex-KT) teria ocorrido durante a primavera do hemisfério norte. O paper, publicado na modalidade Open Access, pode ser obtido gratuitamente na Internet.
O evento, há 65 mega-anos, foi responsável pelo extermínio de cerca de 76% das espécies vivas que habitavam o planeta naquela época, incluindo os dinossauros, que reinavam absolutos há quase 200 mega-anos.
Os cientistas investigaram tecidos ósseos fossilizados em excelente estado de preservação, pertencentes a peixes acipenseriformes (esturjões e peixes-espátula) que foram arrastados pelo tsunami que se seguiu ao impacto no que hoje é a península de Yucatán. Além das ondas, os animais foram simultaneamente metralhados por uma chuva mortal de partículas vítreas esferoidais, havendo sido depositados no delta do rio Tanis, no estado norte-americado de Dakota do Norte. O local faz parte do sítio paleontológico mais amplo conhecido como formação Hell Creek, e representa um de seus depósitos tanatocoenósicos, ou seja, uma aglomeração massiva de restos mortais da biota local, arrastados pelo deslocamento das águas.
Nas espécies de peixes estudadas, existe um ciclo anual de renovação e crescimento das células ósseas. O pequeno tamanho observado daquelas células nos espécimes analisados indica que um novo ciclo histológico estava em curso, o que costuma se dar na primavera, daí a conclusão dos investigadores.
O fato de o impacto K-Pg ter acontecido durante a primavera boreal fez com que as consequências biológicas devastadoras fossem maiores ao norte da linha do equador, uma vez que aquela estação é o auge da reprodução de muitas espécies. O hemisfério sul, que então mergulhava no outono, pode ter sofrido menos, favorecendo uma maior sobrevivência biótica seletiva.
Consequências Profundas
Como já ressaltamos em outras oportunidades (e nunca é demais lembrar…), a colisão cósmica do K-Pg determinou uma mudança radical nos rumos da evolução da biosfera terrestre. Com o fim da era dos répteis gigantes, os pequenos mamíferos sobreviventes tiveram oportunidade de prosperar e se diversificar. Este processo resultou no aparecimento dos primeiros hominídeos no seio do continente africano cerca de 60 milhões de anos mais tarde.
Quando compreendemos que estas colisões são eventos aleatórios, e que o impactor do K-Pg provavelmente já era sub-produto de outra colisão anterior, igualmente aleatória, acontecida na região do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, quase cem milhões de anos antes, fica claro que a nossa existência é fruto do mais puro acaso, permitindo descartar a hipótese de havermos sido planejados, e muito menos predestinados para alguma coisa. Além de expor nossa extrema fragilidade, esta é, a lição mais importante que pode ser extraída do estudo científico daquela que foi uma das maiores catástrofes já experimentadas pelo nosso planeta após o aparecimento da vida.
Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo e, desde 1973 julga altamente impactante a avassaladora onda moderna de avanços científicos.
(www.luizaugustoldasilva.com)