Luiz Augusto L. da Silva*
Na noite de 17 de Janeiro de 2022 participamos, na qualidade de astrônomo convidado, do programa Jeito Digital, produzido online ao vivo pela SulTV/RS, apresentado pelos jornalistas João Carlos Wieczorek e Sílvio Luiz Belbute, tendo como assistente de produção a professora Irene Grings (quem, por sinal, foi nossa aluna, em uma das universidades em que trabalhamos, há alguns anos).
Com o tema Existe Vida Fora da Terra?, o programa resultou em uma exaustiva maratona de mais de 3 horas e meia de duração (confira a íntegra acessando o link: https://fb.watch/aCDLxOJA-l). Dele participaram também três ufólogos, sendo dois brasileiros (Lucas Prestes, atualmente no Canadá, e Carlos Odone Nunes, gaúcho) e um mexicano (Pedro Ramírez). Entre os telespectadores, nosso colega Rodrigo Visoni, da Rede Omega Centauri no Rio de Janeiro, também enviou comentários e observações bastante pertinentes.
Rumos Diferentes
A primeira coisa que chama a atenção é a grande diferença nos caminhos percorridos pela ciência multi- e transdiciplinar da astrobiologia, e a pseudociência da ufologia.
Enquanto os astrobiólogos continuam no encalço da vida extraterrestre usando as rigorosas ferramentas da metodologia científica, os ufólogos seguem por um viés frequentemente místico e transcendental. Por exemplo, na astrobiologia se discute o “Grande Silêncio”, que é a ausência de evidências da existência de seres extraterrestres evoluídos. Na ufologia, a dúvida “não é mais se eles existem, ou se já estão aqui, mas quando irão se revelar”. Para os ufólogos, “mais de 80 tipologias diferentes de ET’s são conhecidas na atualidade” e todas perambulam pelo nosso planeta.
Ufólogos com frequência demonstram uma quase total falta de domínio, compreensão e assimilação de conceitos e conhecimentos físicos, astronômicos, e biológicos, para citar apenas três disciplinas científicas importantes. E fazem muitas confusões, construindo frases sem nenhum sentido.
Pérolas
Confiram, abaixo, alguns dos muitos disparates alardeados com ar de autoridade científica superior durante o programa:
– “Canalizações e projeção astral são alvo de investigações científicas atuais”;
– “Tive um despertar de consciência espiritual há dois anos”;
– “Ufólogos holísticos também são científicos”;
– ET’s seriam capazes de fazer “viagens extragaláxias”;
– A ufologia é muito mais que o estudo dos UFOs, pois inclui espiritualidade e holística;
– “Estamos a 4 mil anos-luz da estrela mais próxima”;
– “O tempo é uma grandeza física pertinente à terceira dimensão”;
– “A vida pode existir em outras dimensões, no Sistema Solar”;
– “Temos mais de um milhão de contactados”;
– Abduções são investigadas com auxílio da hipnose regressiva, “técnica bastante significativa e elucidatória de que a pessoa passou por uma experiência real e traumática.” (Ressalte-se que uma pessoa em estado de hipnose não reporta necessariamente o que teria acontecido, mas aquilo que ela pensa que aconteceu. Ademais, ela é suscetível de ser influenciada pelo próprio hipnotizador).
É evidente que a grande maioria das pessoas comuns, que não têm conhecimentos básicos de ciência, jamais perceberá os absurdos que estão sendo propalados. E assim avança a ufologia…
Origens
No primeiro semestre do ano de 2006, numa das universidades em que exercemos atividades, ministramos um curso de extensão intitulado Ufologia: Ciência ou Pseudociência?. Com 60 horas-aula, a iniciativa permitiu uma abordagem científica razoável da questão ufológica. Uma das coisas que acreditamos ter ficado claras ao final daquele curso, foi que a onda de ver e acreditar nos discos voadores e visitas de extraterrestres consolidou-se após a Segunda Guerra Mundial, insuflada pelo contexto da Guerra Fria, amparada em causas humanas e fatores geopolíticos, não tendo nada de autenticamente extraterrestre. Ao fim da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, o mito já havia assumido identidade própria, e superado as fronteiras geográficas, tornando-se globalizado e persistente até os dias atuais, embora já demonstre sinais evidentes de desgaste, tornando-se crescentemente démodé.
Falhas Metodológicas
O que se poderia chamar de ápice científico da ufologia deu-se em meados dos anos 1960, quando a Universidade do Colorado divulgou um estudo massivo, chamado Relatório Condon (disponível integralmente na Internet) sobre a questão da realidade e natureza dos “discos voadores”, sem encontrar quaisquer indícios significativos em prol da hipótese da procedência extraterrestre. Até hoje ufólogos inconformados criticam a pesquisa, acusando-a de omissa e tendenciosa, entre outros objetivos.
Excluindo-se também aos estudos de alguns astrofísicos norte-americanos renomados, tais como J. Allen Hynek e Donald H. Menzel, que balizavam suas investigações e conclusões pela aplicação do criterioso método científico, a maioria da comunidade acadêmica voltou suas costas à questão ufológica, passando a tratá-la com desprezo.
Para isto contribui, sem sombra de dúvida, o comportamento acientífico demonstrado por grande parte dos ufólogos. Ocorrências ufológicas podem revestir-se de um grau variável de complexidade, requerendo quase sempre mais de um especialista para a sua investigação adequada. Se o caso puder ser esclarecido, restará encerrado. Caso contrário, sempre permanecerão inúmeras possibilidades alternativas, que não passam pela hipótese da origem extraterrestre como, por exemplo, artefatos militares secretos, fenômenos naturais desconhecidos, enganos, embustes deliberados, etc. Uma ocorrência não explicada não implica em uma ocorrência inexplicável. A maioria dos ufólogos, entretanto, já parece possuir uma opinião previamente formada, recorrendo invariavelmente à hipótese extraterrestre. Ademais, muitos consideram “inexplicado” como simples sinônimo de evidência alienígena. “Inexplicado” quer dizer que ainda não recebeu explicação, o que não implica na inexistência de uma explicação. E “inexplicado” também é diferente de “inexplicável”, que é aquilo que simplesmente não tem explicação. Estas falhas metodológicas graves comprometem a maior parte do trabalho dos ufólogos. Um indivíduo que se auto-intitule “ufólogo”, que seja honesto, e disposto a desenvolver um trabalho de investigação em equipe seguindo o método científico à risca, sem ideias pré-concebidas, acabará concordando que, nestes mais de 70 anos de avistamentos pretensamente insólitos, ainda estamos de mãos vazias…
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Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo e, desde 1973 tem se mantido cético com relação a fenômenos aéreos não identificados, sem abrir mão de uma mente aberta.
(www.luizaugustoldasilva.com)
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