Astronomia Hoje

A DIVERSIDADE FÍSICA DAS SUPERNOVAS – 2

            Em nosso paper publicado em 1992 (da Silva, Astrophys. Space Sci., 202, 515), chamávamos a atenção para as limitações da classificação espectrofotométrica usual empregada para supernovas, também conhecida como classificação de Minkowski-Zwicky,  discutida aqui nesta coluna (ver Portal Ciência & Cosmos, Astronomia Hoje 10). Naquele trabalho, sugerimos um esquema alternativo fisicamente embasado, com maior capacidade de resolução e critérios de diagnóstico observacionais mais efetivos.

            O esquema propunha quatro classes de supernovas, designadas pelas letras de A a D. As classes A e B eram constituídas pelas supernovas colapsantes, abrangendo espécimes canônicos (classe A) e não-canônicos (classe B). A classe C englobava as supernovas cataclísmicas, e a classe D, então ainda especulativa, abrangia supernovas “híbridas”.

            Serviram como fatores de motivação iniciais para o desenvolvimento daquele trabalho, além das peculiaridades mais que oportunas demonstradas pela supernova 1987A, na Grande Nuvem de Magalhães, galáxia satélite da nossa Via Lactea, também os artigos do grande astrofísico russo I. S. Shklovskii (1916 – 1985) publicados em 1982 (Sov. Astron. Lett., 8, 188) e em 1983 (Sov. Astron. Lett., 9, 250).

Supernovas Classe A

            O mecanismo básico das classes A e B era o colapso do núcleo da configuração estelar pré-supernova, inicializado por diferentes gatilhos.  Os eventos da classe A seriam o tipo mais comum entre as supernovas colapsantes, representando cerca de 85% do total de ocorrências na natureza, conforme sugerido por Maeder (1987, E.S.O. Workshop on the SN 1987A, ed. I. J. Danziger, E.S.O., Garching, p. 251). Os progenitores prováveis são estrelas supergigantes vermelhas com abundância química semelhante à solar, e com massas iniciais na sequência principal de idade zero (MZAMS) entre 8 massas solares (Mʘ) e um limite superior de cerca  de 30  a 40 Mʘ. Tais explosões produziriam remanescentes ligados do tipo estrelas de nêutrons.

            Dividíamos a classe A em três sub-classes. A sub-classe A.1 tinha como progenitores prováveis estrelas com (MZAMS) entre 8 Mʘ e 10 Mʘ. A massa do core de hélio se situaria entre 2.2 e 2.5 Mʘ. O gatilho provável era a ignição explosiva do oxigênio, simultaneamente à captura de elétrons pelo 20Ne e 24Mg. A morfologia da curva de luz óptica corresponderia ao tipo II-P de Barbon, Ciatti e Rosino (Astronomy and Astrophysics, 72, 287).

            Na sub-classe A.2, os progenitores possuiriam MZAMS entre 10 e 11  Mʘ, correspondendo a cores de hélio entre 2.5 e 2.8 Mʘ. O gatilho seria uma combinação de fotodesintegração e captura de elétrons, e as curvas de luz ópticas também seriam do tipo II-P, com ejetos ricos em hélio.

            A sub-classe A.3 subtenderia as estrelas com massas de core de hélio maiores que 2.8 Mʘ, correspondendo a 11 Mʘ ≤  MZAMS ≤ 30-40 Mʘ, acionadas por captura de elétrons, produzindo curvas de luz do tipo II-L.

Supernovas Classe B

            As supernovas classe B seriam supernovas colapsantes derivadas de configurações estelares não canônicas, isto é, não oriundas de estrelas supergigantes vermelhas. A razão desta diferença residiria na baixa metalicidade da progenitora, ou na perda do seu envelope hidrogenado por transferência de massa num sistema binário, no caso dos progenitores de menor massa (8 Mʘ ≤  MZAMS ≤ 30-40 Mʘ), ou simplesmente porque os progenitores não passam por uma fase clássica de supergigante vermelha, ou a experimentam muito breve. As últimas duas situações ocorrem em estrelas com MZAMS ≥ 30-40 Mʘ.             A sub-classe B.1, ou supernovas colapsantes não-canônicas pouco massivas, derivam de progenitores sub-metálicos ou interagentes em sistemas binários. Um exemplo seria dado pela supernova 1987A, que explodiu na Grande Nuvem de Magalhães, proveniente de uma supergigante azul deficiente em metais.

Supernova na galáxia espiral barrada NGC 1964 situada na constelação de Lepus (Lebre), imageada em Maio 1, 2021 às 22h53min TU por Luiz Antonio Reck de Araújo, em Pelotas, RS, Brasil. A galáxia dista 65 milhões de anos-luz. Assim, a explosão daquela estrela deve ter ocorrido na mesma época em que o asteróide responsável pela extinção dos dinossauros caiu na Terra. Na imagem,o sul está à esquerda, e o leste, acima. (Rede Omega Centauri/Núcleo de Estrelas Variáveis).

            Seria possível sub-dividir a sub-classe B.1 em três sub-subclasses: na sub-subclasse B.11, os progenitores teriam tipo espectral primitivo (estrelas quentes e azuis, como a SN 1987A), respondendo, talvez, por cerca de 2% de todas as ocorrências de supernovas colapsantes (Maeder, 1987, ref. cit.); na sub-subclasse B.12, teríamos progenitores pouco massivos deficientes de hidrogênio provavelmente interagentes em sistemas binários, correspondendo aos tipos espectrofotométricos Ib e Ic da classificação de Minkowski-Zwicky, enquanto na sub-subclasse B.13 os progenitores seriam estrelas pouco massivas de tipos espectrais intermediários (supergigantes amarelas e supergigantes laranja), representando, talvez, menos de 1% de todas as supernovas colapsantes (Maeder, 1987, ref. cit.).

            Os gatilhos que disparam as explosões das supernovas da sub-classe B.1 seriam os mesmos da classe A, conforme  a MZAMS e a massa do core de hélio das estrelas progenitoras. Seus remanescentes seriam ligados, do tipo estrelas de nêutrons.

            A sub-classe B.2 compreende as supernovas colapsantes não canônicas massivas, cujos progenitores seriam estrelas com MZAMS ≥ 30-40 Mʘ, que não experimentam uma fase evolutiva tardia de supergigante vermelha, ou passam por uma muito curta. O colapso do core estelar basicamente ocorre em uma configuração carente de hidrogênio, em virtude da taxa de perda de massa elevada das estrelas progenitoras  por vento estelar no curso da  evolução anterior à explosão (tipicamente ao redor de 10-5 Mʘ/anoou mais).

            Tentativamente dividimos a sub-classe B.2 em duas sub-subclasses. A sub-subclasse B.21 compreendia as supernovas derivadas de estrelas Wolf-Rayet, cujo gatilho seria a instabilidade de pares, representando provavelmente da ordem de 10% de todas as ocorrências de supernovas colapsantes (Maeder, 1987, ref.cit.), enquanto a sub-subclasse B.22 hipoteticamente abrangeria supernovas descendentes de estrelas super-massivas (100 Mʘ ≤  MZAMS ≤ 300 Mʘ), provavelmente respondendo por bem menos que 1% do total de ocorrências de supernovas colapsantes no universo.

            Supernovas B.21 provavelmente resultariam em remanescentes ligados do tipo buracos negros de massa estelar, enquanto supernovas B.22 produziriam buracos negros ou, mais provavelmente, nenhum remanescente, por causa da queima explosiva do oxigênio que consegue, se houver momento angular presente,  liberar energia suficiente para inverter o desabamento do núcleo, aniquilando totalmente a estrela.

Supernovas Classe C

            As supernovas classe C corresponderiam integralmente ao tipo Ia da classificação espectrofotométrica de Minkowski-Zwicky. Representam explosões de estrelas anãs brancas acretoras de massa em sistemas binários, tendo como gatilhos deflagracões ou detonações de carbono e hélio. As deflagrações são, provavelmente, de ocorrência mais frequente. Os remanescentes mais comuns vão desde anãs brancas até nenhum remanescente ligado, que pode ser o caso mais provável.

            Dividimos as supernovas da classe C em duas sub-classes. A sub-classe C.1 compreendia anãs brancas deflagrantes de carbono, basicamente correspondendo ao chamado modelo padrão para supernovas tipo Ia, enquanto a sub-classe C.2 abrangeria as anãs brancas detonantes de hélio, provavelmente de ocorrência mais rara, sendo que, ainda, seria possível imaginar uma sub-divisão da sub-classe C.2 em supernovas monodetonantes (C.21) e bi-detonantes (C.22).

Supernovas Classe D?

            Constituíam um tipo especulativo de supernova, com ocorrência incerta na natureza. Seus progenitores seriam estrelas com MZAMS ≤ 8 Mʘ com envelope de hidrogênio e core de carbono degenerado que superariam o limite de Chandrasekhar. O gatilho da explosão seria a deflagração do carbono no core, e elas não deixariam nenhum tipo de remanescente ligado.

Quase 30 Anos Depois…

            Nas praticamente três últimas décadas, desde quando apresentamos nosso esquema fisicamente embasado para taxonomia de supernovas, como evoluiu o conhecimento astrofísico acerca daquelas estrelas? A classificação proposta naquela época permanece consistente hoje, ou terminou por revelar-se equivocada, no todo ou em parte? Quais os tipos hipotéticos de supernovas, propostos naquele período, que foram confirmados por observações posteriores? E quais os que não foram? Estas questões instigantes serão desenvolvidas na sequência deste artigo.


Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo e, desde 1973 não se cansa de aprender, sempre mais, acerca dos mistérios do universo.

(www.luizaugustoldasilva.com)

You must be logged in to post a comment.