Luiz Augusto L. da Silva*
No dia 10 de março de 2017 uma supernova apareceu na galáxia espiral NGC 5643, distante cerca de 55 milhões de anos-luz, na direção da constelação austral de Lupus (Lobo). Descoberta por Leonardo Tartaglia, da Universidade da Califórnia em Davis, e denominada SN 2017cbv, parecia ser mais uma supernova tipo Ia clássica, exceto por um detalhe: sua curva de luz mostrava uma espécie de corcova, ou platô, nos estágios iniciais.
Os astrônomos acreditam que as supernovas tipo Ia derivam de explosões de estrelas anãs brancas em sistemas binários com captura de massa. Quando a massa da anã branca atinge o limite de Chandrasekhar, cerca de 1.4 massas solares, ela explode. Como a massa limite é sempre a mesma, a energia liberada na explosão também deve ser, por isso as supernovas Ia são usadas como indicadores de distância, úteis para determinar o afastamento de galáxias longínquas.
A comparação da curva de luz da SN 2017 cbv com modelos teóricos sugeriu que o platô ocorreu quando a onda de choque da explosão da anã branca atingiu a estrela companheira do sistema, com pelo menos 20 vezes o tamanho do Sol. Neste caso, uma quantidade extra de luz e de calor teria sido liberada, explicando a corcova na curva de luz.
O astrofísico Peter Garnavich, da Universidade de Notre Dame, chamou a atenção para o fato de uma supernova tipo Ia poder derivar de uma grande variedade de sistemas estelares, incluindo aqueles compostos por duas anãs brancas, que só explodem quando ambas as estrelas colidem. Se for assim, as curvas de luz poderiam ser diferentes, com luminosidades de pico não rigorosamente constantes. Isto poderia ter profundas repercussões no campo da cosmologia. Basta citar que foi, justamente baseados na homogeneidade fotométrica das supernovas tipo Ia como indicadores de distância que dois grupos independentes de pesquisadores descobriram, em 1998, que a expansão do Universo estava acelerando [veja, e.g., Riess et al., (1998), Astronomical Journal, 116, 1009].
Supernovas Tipo I
As supernovas foram inicialmente divididas em dois grupos: I e II. O critério era a ausência (no tipo I) ou a presença (no tipo II) das linhas do hidrogênio no espectro visível. Diversos autores sugeriram subdivisões adicionais. Consideradas, no princípio, como homogêneas do ponto de vista espectro-fotométrico, as supernovas tipo I acabaram divididas em Ia, Ib, e Ic.
Os primeiros exemplares da classe Ib foram identificados por Bertola (1964, Ann. Astrophys., 27, 319), e por Bertola, Mammano e Perinotto (1965, Contrib. Asiago Obs., 174, 51), mas despertaram pouca atenção até 1985, quando Elias et al. (1985, Astrophysical Journal, 296, 379), Wheeler e Levreault (1985, Astrophysical Journal Letters, 294, L17) e Fillipenko e Sargent (1986, Astronomical Journal, 91, 691) chamaram a atenção para aspectos como certas peculiaridades nas curvas de luz infravermelhas de algumas supernovas tipo I, e também por causa dos espectros ópticos anômalos das supernovas 1983N e 1984L.
Como as supernovas Ia, as supernovas Ib não exibem linhas de hidrogênio. O critério básico para diferenciar entre ambas é a presença ou ausência (respectivamente) da linha de absorção do Si II no comprimento de onda λ 6150 Å, que é muito evidente nas supernovas Ia até 25 dias após o pico de luz.
Já as supernovas tipo Ic foram primeiramente sugeridas por Wheeler e Harkness (1986, Proc. NATO Adv. Study Workshop on Distances of Galaxies and Deviations from the Hubble flow, eds. B. M. Madore, e R. B. Tully, Reidel; Dordrecht).
Resumindo: as supernovas do tipo Ia não mostram linhas nem de hidrogênio nem de hélio, apresentando fortes linhas atribuíveis ao silício. As supernovas tipo Ib não têm linhas de hidrogênio nem do silício, mas mostram fortes linhas de hélio. E as supernovas tipo Ic não apresentam nem linhas de hidrogênio, nem do silício, e nem linhas de hélio.
A interpretação atual é que as supernovas Ia derivam de explosões termonucleares (deflagrações ou detonações) em anãs brancas, enquanto as supernovas Ib e Ic descendem de estrelas massivas, frequentemente associadas com regiões de formação estelar (regiões H II), que experimentam colapsos terminais de core. Os progenitores das supernovas Ib perderam seus envelopes de hidrogênio antes da explosão, revelando a camada subjacente rica em hélio. Os progenitores das supernovas Ic experimentaram mais perda de massa, assim descartando também o envelope de hélio antes da explosão, terminando por revelar as camadas mais profundas, ricas em carbono.
Portanto, essencialmente, as supernovas Ib e Ic são produzidas pelo mesmo mecanismo básico das supernovas do tipo II: o colapso gravitacional do núcleo de uma estrela supergigante evoluída, que passou por estágios avançados de nucleossíntese.
Supernovas Tipo II
Desde o início, os astrônomos perceberam a associação das supernovas tipo I (isto é, Ia) com populações estelares velhas, e a ocorrência das supernovas tipo II em conexão com braços de galáxias espirais, dominados por estrelas jovens, massivas, e de alta metalicidade.
Em 1979, Barbon, Ciatti e Rosino (Astronomy and Astrophysics, 72, 287) propuseram dividir as supernovas tipo II em lineares (II-L) e tipo platô (II-P), baseados nas morfologias médias das curvas de luz ópticas. A sua amostra incluía 38 objetos, e 65% deles mostravam uma fase intermediária na curva de luz, caracterizada pelo brilho relativamente estável (um “platô”). Aliás, este detalhe já tinha sido assinalado em 1957 por Payne-Gaposchkin (The Galactic Novae, North-Holland Publ. Co., Amsterdam, p. 262). No restante da amostra, o decaimento de brilho após o máximo era linear, a uma taxa média de 0.05 magnitudes por dia, durante cerca de cem dias, sem platô.
As supernovas tipo II eram associadas aos colapsos dos núcleos de estrelas supergigantes vermelhas e, no geral, formavam uma classe mais heterogênea que as supernovas do tipo I. Mas em 1987 tudo mudou. Em 23 de fevereiro daquele ano, uma supernova explodiu na Grande Nuvem de Magalhães, a maior galáxia satélite da Via Lactea. Para surpresa de todos, a progenitora da explosão era uma estrela supergigante azul, catalogada como Sk-69o202!
A SN 1987A, como ficou conhecida, ao mesmo tempo em que confirmou, de maneira espetacular, as ideias básicas relacionadas ao colapso gravitacional do núcleo de uma estrela, ao revelar um pulso de neutrinos, também pôs em cheque os modelos físicos tradicionais propostos para explicar as supernovas tipo II, ao mesmo tempo em que consolidava a vasta diversidade física de progenitores possíveis para aquelas supernovas. A curva de luz óptica da SN 1987A não se enquadrou nem no tipo II-L nem no tipo II-P, apresentando um “platô ascendente” logo após o máximo de brilho, o que nos levou a propor um terceiro tipo, as supernovas II-B [da Silva, (1990), Astrophys. Space Sci., 165, 255; e Rev. Mex. Astron. Astrofís., 21, 471]. A letra B designava “Bump”.
Hoje se admite que vários tipos de estrelas massivas empreendem colapsos terminais de seus núcleos, induzidos pela gravidade. Progenitores com massas iniciais entre 8 e 40 a 50 massas solares são provavelmente os responsáveis pelas supernovas tipo II mais clássicas.
E também encontram-se referências às supernovas tipo IIb e IIn. As primeiras mostram inicialmente linhas fracas de hidrogênio, que depois desaparecem. Também apresentam um máximo secundário com espectro que lembra o das supernovas tipo Ib. Seus progenitores podem ser estrelas massivas que expeliram seus envelopes hidrogenados expondo cores ricos em hélio, quer por perda de massa durante fases evolutivas tardias, ou por interações com uma estrela companheira em um sistema binário. O exemplo clássico desta categoria é a SN 1983J [Nomoto et al., (1993), Nature, 364, 507]. Em 2010 Chevalier e Soderberg (Astrophysical Journal Letters, 711, L40) sugeriram que estas supernovas poderiam ser derivadas tanto de progenitores compactos (tipo cIIb) quanto extensos (eIIb).
As supernovas tipo IIn apresentam linhas de hidrogênio em emissão, estreitas (narrow, em inglês), ou de largura intermediária. Estas linhas sinalizam a existência de uma quantidade considerável de material (gás) nas vizinhanças imediatas da estrela, sugerindo que seus progenitores muito massivos experimentaram episódios de perda de massa expressivos (taxas superiores a 10-3 massas solares por ano) antes da explosão. Tais taxas se verificam, por exemplo, nas chamadas “variáveis luminosas azuis”.
Progenitores Extremamente Massivos
Finalmente, existem supernovas que derivam de estrelas com massas iniciais exorbitantes, de até cerca de 100 massas solares, ou mais. Suas explosões originam as hipernovas. Um possível candidato a hipernova é a estrela binária supergigante austral Eta Carinae, situada a cerca de 7500 anos-luz do sistema solar.
Percebe-se, assim, que uma extraordinária diversidade de configurações estelares evoluídas podem atuar como progenitores de eventos de explosões de supernovas do tipo genérico II. Algumas produzem, inclusive, eventos do tipo I, do ponto de vista de algumas similaridades espectro-fotométricas (como a ausência das linhas de hidrogênio).
Já em 1989, quando da apresentação da nossa dissertação de mestrado junto ao Departamento de Astronomia do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, chamávamos a atenção para esta larga gama de possibilidades, assunto que retomamos num paper específico em 1992 (da Silva, Astrophys. Space Sci., 202, 515).
Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo e, sem ser fofoqueiro, desde 1973 tem predileção especial por supernovas…
(www.luizaugustoldasilva.com)