Luiz Augusto L. da Silva*
São notáveis as diferenças astronômicas, além de climático-meteorológicas, entre Oiapoque, cidade mais setentrional do Brasil, e Chuí, seu núcleo urbano mais meridional.
Com apenas 26 mil habitantes, Oiapoque fica a 560 km ao norte de Macapá, via BR-156, uma rodovia onde lama, buracos e asfalto disputam espaço. Ela é conhecida como “a capital do norte do Amapá”, ou ainda como “Princesa do rio Oiapoque”. Suas coordenadas geográficas são latitude φ = 03o49’25” N, longitude λ = 51o49’05” W (não muito diferente da longitude da cidade de Porto Alegre), e altitude h = 10 m. Não é o ponto mais setentrional do território brasileiro, mas a cidade sim. O extremo norte do Brasil coincide com o monte Caburaí, de 1465 m de altitude, situado na latitude φ = 05o16’20” N, longitude λ = 60o12’43” W, localizado no estado de Roraima, na fronteira com a Guiana.
No outro extremo fica Chuí, uma pequenina cidade com apenas 6500 habitantes, junto à divisa com o Uruguai, na latitude φ = 33o41’27” S, longitude λ = 53o27’25” W, altitude h = 22 m, 520 km ao sul da capital gaúcha, via BR-116 e BR-471.
A diferença em latitude entre Oiapoque e Chuí remonta a cerca de 37.5 graus, enquanto a diferença em longitude é de aproximadamente 1.7 graus. Ambas as cidades adotam a hora oficial de Brasília, que corresponde ao fuso Tempo Universal (hora de Greenwich) – 3h, definido pelo meridiano que cruza a cidade do Rio de Janeiro.
Sol
Durante o período diurno, a diferença mais gritante entre Oiapoque e Chuí manifesta-se na posição do Sol na esfera celeste. Como se sabe, o Sol desloca-se de oeste para leste em cerca de um grau por dia ao longo da linha da eclíptica (projeção da órbita terrestre em torno do Sol no céu).
Em um ano ele inclina-se para ambos os lados do equador celeste (projeção do equador terrestre na esfera celeste), atingindo afastamentos de 23.5 graus para o norte e para o sul.
Em Chuí, nos equinócios (21 de março e 23 de setembro), que assinalam o início do outono e da primavera, respectivamente, o Sol culmina cerca de 33.7 graus ao norte do zênite (ponto em que a vertical do lugar intercepta a esfera celeste). No solstício de inverno (21 de junho), ele culmina a 57.2 graus ao norte do zênite, isto é, ao meio dia local a altura do centro do Sol é de 32.8 graus acima do ponto cardeal norte (não se incluindo aí o pequeno efeito da refração atmosférica). No solstício do verão (em 22 de dezembro), quando cruza o meridiano, o Sol acha-se a 79.7 graus de altura, 10.2 graus ao norte do zênite. Veja a figura 3. Em Chuí, não existe sol a pino, e as sombras ao meio dia local projetam-se sempre para o sul. O fotoperíodo varia de 14.4 horas em dezembro (dias mais longos) a 9.9 horas em junho (dias mais curtos). Teoricamente a insolação máxima se verifica ao meio dia local de 22 de dezembro, no começo do verão, e a insolação mínima na culminação solar ocorre em 21 de junho, no princípio do inverno.
Em Oiapoque as coisas são mais complicadas. A cidade encontra-se quase 4 graus ao norte da linha do equador, então fica no hemisfério norte da Terra. Nos equinócios, ao meio dia local, o Sol cruza o meridiano da cidade cerca de 3.8 graus ao sul do zênite. No solstício de junho (que assinala o começo do verão), ele passa a 19.7 graus ao norte do zênite, 70.3 graus acima do ponto cardeal norte. Já no solstício de dezembro (início do inverno!) o Sol culmina a 27.3 graus ao sul do zênite, correspondendo a uma altura de 62.7 graus acima do ponto cardeal sul. Todos os anos, em 30 de março e em 13 de setembro, o Sol fica a pino ao meio dia, isto é, passa pelo zênite. Portanto, ao meio dia local daquelas datas, os objetos expostos ao sol não projetam sombras. Entre 13 de setembro e 30 de março do ano seguinte, as sombras ao meio dia se projetam para o norte, e entre 30 de março e 13 de setembro, projetam-se para o sul. Veja a figura 4. O fotoperíodo varia pouco, de 12.3 horas ao redor de junho (dias mais longos), a 11.9 horas ao redor de dezembro (dias mais curtos). A insolação é máxima ao meio dia local de 30 de março e de 13 de setembro (datas com sol a pino), e mínima no solstício de dezembro (começo do inverno).
Em termos rigorosamente astronômicos, as estações do ano em Oiapoque e no Chuí são invertidas! Se é verão em Oiapoque, é inverno em Chuí, e vice-versa. Consulte a tabela 1.
Mas é preciso lembrar que, embora em Chuí, que está situada na região subtropical, as estações climatológicas sejam bem diferenciadas, em Oiapoque, que fica na chamada zona tórrida, ou zona equatorial, isto não acontece. Faz calor o ano inteiro, e só se pode distinguir entre uma
estação mais úmida e chuvosa, que coincide com o inverno astronômico austral, e outra estação seca, que coincide com o verão astronômico austral.
As temperaturas médias em Oiapoque oscilam entre 19o C e 33o C, com as maiores máximas acontecendo nos meses de setembro, outubro e novembro, e as menores mínimas em outubro e novembro. O mês mais chuvoso é abril, com uma precipitação média de 574 mm, e o mês mais seco, outubro, com apenas 10 milímetros de precipitação, revelando uma grande assimetria entre a estação chuvosa e a estação seca, causada pela oscilação sazonal em latitude da zona de convergência intertropical.
Já em Chuí, as temperaturas médias oscilam entre 8o C e 28o C, o mês mais quente normalmente sendo janeiro, e o mais frio, junho. A
pluviosidade costuma ser mais uniforme, variando de 89 mm em maio (mês mais seco), a 114 mm em julho (mês mais úmido).
É curioso que os habitantes da região equatorial, incluindo a América Central e a região do Mar do Caribe, costumam referir-se às estações úmida e seca como “inverno” e “verão”, respectivamente, mesmo sabendo que se encontram em estações do ano astronômicas invertidas, em relação à situação dos habitantes do hemisfério sul. Veja-se, a este respeito, a Oficina de Astronomia® número 412, intitulada Inverno ou Verão?, integrante do pacote Oficinas de Astronomia® Coletânea Volume 1, disponível para aquisição no site da Rede Omega Centauri.
O Céu Estrelado
As diferenças entre o céu noturno de Oiapoque e o céu visto desde a cidade de Chuí também são notórias. Chuí tem como polo celeste elevado o polo celeste sul. A estrela polar austral, Sigma Octantis, de quinta magnitude, é sempre visível sobre a linha do meridiano local, a 33.7 graus de altura sobre o ponto cardeal sul. Já a estrela polar boreal, Polaris, ou Alpha Ursae Minoris, de segunda magnitude, que fica próxima ao polo celeste norte, resulta permanentemente inobservável, sempre situada cerca de 33.7 graus abaixo da linha do horizonte, na direção do ponto cardeal norte. O eixo do mundo, isto é, a linha que conecta os dois polos celestes passando pelo centro da esfera celeste está inclinado de 33.7 graus em relação ao plano do horizonte, e o equador celeste, que nasce no ponto cardeal leste, cruza o meridiano a 33.7 graus ao norte do zênite, desaparecendo no ponto cardeal oeste. A calota de estrelas circumpolares austrais (aquelas estrelas que ficam sempre acima do horizonte, sem nascer nem ocaso), e a calota circumpolar boreal (onde as estrelas nunca se levantam acima da linha do horizonte) medem, ambas, 33.7 graus de raio.
Como está ao norte da linha do equador, Oiapoque vê como polo celeste elevado o polo celeste norte. Consequentemente, de lá se pode ver Polaris, sempre a 3.8 graus acima do ponto cardeal norte, enquanto Sigma Octantis, situada perto do polo celeste sul, resulta permanentemente inobservável, a cerca de 3.8 graus abaixo da linha do horizonte, na direção do ponto cardeal sul. O eixo do mundo inclina-se em 3.8 graus em relação ao plano do horizonte, com a linha do equador celeste nascendo no ponto cardeal leste, cruzando o meridiano do lugar a 3.8 graus ao sul do zênite, pondo-se exatamente no ponto cardeal oeste. A calota de estrelas circumpolares boreais (estrelas sempre visíveis acima do horizonte) e a calota circumpolar austral (estrelas sempre abaixo do horizonte) são ambas muito pequenas, medindo apenas 3.8 graus de raio cada uma. Portanto, os habitantes de Oiapoque conseguem observar uma área bem maior da esfera celeste do que os habitantes de Chuí.
Outro detalhe é que, vistas desde Oiapoque, as figuras das constelações aparecem em posições notoriamente diferentes daquelas vistas em Chuí, com tendência a ficarem mais “deitadas”, algumas inclusive já ficando levemente de “cabeça para baixo”, que é seu aspecto comum no hemisfério norte, quando comparamos com as orientações percebidas desde o hemisfério sul.
Também as fases lunares já passam a ser percebidas como se vê desde o hemisfério norte, isto é, onde as luas crescente e quarto crescente, ao invés de parecerem semelhantes a uma letra “C”, são vistas como uma letra “D”, acontecendo o inverso com as luas minguante e quarto minguante, que parecem um “C”, o invés de um “D”, como estamos habituados a vê-las desde o “lado de baixo” do equador.
Diferença de Longitude
As grandes diferenças em termo astronômicos, climáticos e meteorológicos existentes entre as cidades de Oiapoque e Chuí têm suas origens na expressiva diferença de latitude entre ambas.
Por outro lado, a diferença de longitude, da ordem de 1.7 graus, não produz mudanças sensíveis, mesmo considerando o fato de ambas as cidades empregarem o mesmo fuso horário para a definição do Tempo Legal.
O principal efeito se mostra a cada dia, no instante da passagem meridiana do Sol. Como um grau equivale a 4 minutos de tempo, a diferença de 1.7 graus em longitude implica em 6.8 minutos de diferença no horário da culminação solar entre as duas cidades. Quando a equação do tempo é nula, o Sol culmina em Chuí ao redor das 12h34min, horário de Brasília. Em Oiapoque, isto acontece às 12h27min, 7 minutos antes. Quer dizer, em Chuí o meio dia local acontece sempre 7 minutos após o meio dia local em Oiapoque, efeito que, em geral, não é percebido pelos cidadãos comuns.
Bem ao contrário do que acontece, por exemplo, na cidade argentina de Calafate, situada na Patagônia (latitude φ = 50o20’26” S, longitude λ = 72o16’36” W, h = 205 m). A Argentina adota o mesmo horário legal de Brasília, ou seja, o Tempo Legal do fuso -3h, que passa pela cidade do Rio de Janeiro. A diferença de longitude entre Calafate e a capital carioca é de cerca de 27.3 graus, o que equivale a 109.2 minutos de tempo (cerca de 1.82 horas). Assim, quando o Sol culmina às 12 horas no Rio de Janeiro, em Porto Alegre ele culminará às 12h24min, em Oiapoque às 12h27min, e em Chuí às 12h34min. Em Calafate, a culminação se dará quando os relógios locais estiverem marcando quase duas horas da tarde!
Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 acerta seus relógios pelo Serviço da Hora do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
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