Luiz Augusto L. da Silva*
Muitos livros de astronomia anteriores a 1995 (e.g., Mourão, R. R. F., 1977, Da Terra às Galáxias, Ed. Melhoramentos, São Paulo) costumavam apresentar listas de estrelas próximas ao Sol que possuiriam planetas orbitando ao seu redor. Em geral eram anãs vermelhas, a alguns poucos anos-luz de distância. Aquelas supostas descobertas provinham basicamente de estudos astrométricos de alta precisão, que procuravam rastrear perturbações de pequena amplitude nos movimentos tangenciais das estrelas, tirando vantagem de suas relativas proximidades ao sistema solar.
Os exemplos mais famosos foram o da estrela de Barnard, segunda mais próxima do Sol depois de Alpha Centauri (6 anos-luz), 70 Ophiuchi (17 anos-luz), e Lalande 21185 (8.3 anos-luz). Alguns dos pesquisadores que se destacaram nessa área foram o astrônomo estadunidense de origem holandesa Peter van de Kamp (1901 – 1995), e a astrônoma norte-americana Sarah Lee Lippincott (1920 – 2019), que iniciou sua carreira profissional como estudante graduada sob a orientação de van de Kamp.
A Estrela de Barnard
van de Kamp dedicou grande parte da sua vida a tentar caracterizar melhor o caso do planeta da estrela de Barnard, um astro obscuro com apenas 0.14 massas solares, descoberto em 1916 pelo astrônomo norte-americano Edward E. Barnard (1857 – 1923). Entre os trabalhos defendendo a existência de um ou dois planetas ao redor daquela estrela, os quais teriam massas semelhantes às de Júpiter e Saturno, encontramos um artigo publicado em 1969 (Astronomical Journal, 74, 757). Um review das suas pesquisas pode ser encontrado no artigo publicado em 1982 na revista Vistas in Astronomy, 26, (2), 141.
Apesar do esforço, infelizmente as oscilações periódicas atribuídas ao movimento da estrela acabaram sendo relacionadas a problemas na montagem do telescópio empregado na tomada das placas fotográficas, o refrator de 61 cm de abertura do Observatório Sproul, pertencente ao Swarthmore College, na Pensilvânia.
É irônico que van de Kamp tenha vindo a falecer justo no ano em que se descobriu o primeiro exoplaneta confirmado em uma estrela do tipo solar (51 Pegasi, Mayor e Queloz, Nature, 378, 355). Mas ele ainda teve chance de tomar conhecimento da descoberta confirmada de três planetas extrassolares que orbitavam a estrela de nêutrons PSR B 1257+12, anunciada por Wolszcan e Frail em 1992 (Nature, 355, 145). Hoje, oficialmente denominados Draugr, Poltergeist, e Phobetor, estes mundos exóticos foram os primeiros exoplanetas descobertos, após um alarme falso sobre um planeta com dez vezes a massa da Terra, que giraria em torno de outro pulsar, PSR 1829-10, divulgado em 1991 por Bailes, Lyne e Shermar (Nature, 352, 311). O anúncio foi desfeito pouco tempo depois (Bailes, M., et al., 1992, Nature, 355, 213).
Hoje sabemos que os planetas de van de Kamp não existem. Mas também sabemos que a estrela de Barnard possui pelo menos um exoplaneta confirmado, uma super-Terra fria com 3.2 vezes a massa terrestre, situada na chamada “linha de neve” da estrela, com período orbital de 233 dias, descoberta que resultou das análises de uma quantidade enorme de medidas de velocidade radial, coletadas ao longo de mais de 20 anos. O anúncio foi feito pelo ESO (Observatório Europeu Austral), em 2018, num artigo assinado por 63 autores (Ribas, I., et al., Nature, 563, 365), e representa o achado do exoplaneta mais próximo do sistema solar, depois do planeta de Alpha Centauri C.
70 Ophiuchi
O caso desta estrela é ainda mais impressionante. 70 Ophiuchi é uma estrela de quarta magnitude, na realidade um sistema binário com período orbital de 88 anos. A componente principal tem 0.9 massas solares, e a secundária, 0.7 massas solares. A idade comum é estimada em 1.9 Giga-anos. Enquanto a primária é uma estrela amarelo-alaranjada de sequência principal, sua companheira é uma anã laranja.
Em 1855, o astrônomo inglês William S. Jacob (1813 – 1862), trabalhando no Observatório de Madras, na Índia, afirmou que havia detectado a presença de um planeta em órbita ao redor dessa estrela (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 15, (9), 228). Ele baseou sua conclusão em “anomalias” presentes no movimento orbital das estrelas do par.
Mais tarde, em 1896, o norte-americano Thomas J. J. See (1866 – 1962) defendeu a presença de uma companheira escura, com período orbital de 36 anos (Astronomical Journal, 16, 17). A existência de uma terceira componente chegou a ser anunciada, também, em 1932 pelo astrônomo inglês Louis Berman (1903 – 1997). Segundo ele, ela orbitaria 70 Ophiuchi A num período de 18 anos, possuindo de 10% a 20% da massa do Sol (Lick Observatory Bulletin, 443, 24). Mas Berman sustentava que fosse uma estrela, o que tornaria 70 Ophuchi um sistema triplo.
Foram Reuyl e Holberg que propuseram um sistema planetário, em 1943 (Astrophysical Journal, 97, 41). Seus resultados, entretanto, foram descartados por pesquisas subsequentes [e.g., van de Kamp, P., (1945), Publications of the Astronomical Society of the Pacific, 57, (334), 34; Worth, M. D., (1974), Astrophysical Journal, 193, 647; e Heintz, W. D., (1988), Journal of the Royal Astronomical Society of Canada, 82, (3), 140].
Um estudo mais recente fixou limites para a existência de exoplanetas associados com 70 Ophiuchi, com massas entre 0.46 e 12.8 massas de Júpiter, a distâncias médias entre 0.05 e 5.2 UA [Wittnmyer, E., et al., (2006), Astronomical Journal, 132, 177]. Apesar disso, ainda não se detectou com certeza a presença de nenhum exoplaneta associado com este sistema binário.
Lalande 21185
Esta estrela é uma anã vermelha solitária de sétima magnitude, situada na constelação boreal de Ursa Major (Ursa Maior). Possui 0.46 vezes a massa do Sol, e luminosidade bolométrica de apenas 2.6% da luminosidade solar.
Em 1945, van de Kamp concluiu que ela possuía um astro companheiro com 0.06 massas solares [Publications of the Astronomical Society of the Pacific, 57, (334), 34], publicando um novo trabalho sobre ela em 1951 (Astronomical Journal, 56, 49). Esta companheira escura teve sua massa redeterminada em 0.01 massas solares por Lippincott (1960, Astronomical Journal, 65, 350, e 65, 445). Mas seus resultados foram refutados por Gatewood et al. (1974, Astronomical Journal, 104, 1237).
Contudo, o próprio Gatewood defendeu depois, em 2006, a partir de análises astrométricas, a existência de um sistema planetário em Lalande 21185, o que nunca foi confirmado posteriormente.
Mas observações com um dos telescópios Keck, em 2017, no Hawai’i, apontaram um planeta com massa mínima de 3.8 vezes a massa terrestre, uma super-Terra com período orbital de 9.87 dias (Butler, R. P., et al., Astronomical Journal, 153, 208). Mesmo esta descoberta necessitou de revisão, com um novo período determinado em 12.95 dias, e massa mínima de 2.99 massas terrestres, numa órbita excêntrica (0.22), de acordo com os resultados de Díaz et al., (2019, Astronomy and Astrophysics, 625, A17).
Conclusão
Além das estrelas comentadas neste artigo, outras anãs vermelhas da vizinhança solar também eram mencionadas como possuidoras de planetas na literatura mais antiga, incluindo Wolf-359, Ross-154, e Luyten 726-8. Todas essas observações estão descartadas hoje em dia.
Porém, uma coisa é certa: como as duas estrelas mais próximas do Sol, além de Lalande 21185 demonstram, é muito provável que outras estrelas próximas também possuam planetas. Considerando, ademais, que a proporção de planetas por estrelas na nossa Galáxia seja de 1.0 ± 0.1 (Swift, J., et al., 2013, Astrophysical Journal, 764, 105), sob esse aspecto estrito as velhas observações astrométricas talvez não estivessem fundamentalmente equivocadas, muito embora seus resultados não confiram com os das modernas pesquisas espectrofotométricas.
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* Astrônomo, presidente do Conselho Curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.
(www.luizaugustoldasilva.com)