Luiz Augusto L. da Silva*
Diomar Reus Sbardelotto
Rede Omega Centauri
para o Aprimoramento da Educação Científica
www.redeomegacentauri.org
ωκ-TA-2020.01
Julho, 2020
INTRODUÇÃO
Conjunção magna, ou grande conjunção, refere-se à aproximação aparente entre os planetas Júpiter e Saturno. Tais conjunções costumam recorrer a cada vinte anos, em média. Visto da Terra, Júpiter demora 12 anos para percorrer as constelações zodiacais, enquanto Saturno, famoso planeta dos anéis, completa uma volta a cada 29.5 anos. A velocidade angular média diária de Júpiter, medida em relação ao campo das estrelas de fundo, é de 0.2 graus por dia. Por estar mais distante do Sol, praticamente o dobro da distância de Júpiter, Saturno é mais lento, movendo-se cerca de 0.1 graus por dia. A cada duas décadas, Júpiter alcança Saturno, e o ultrapassa, em sua marcha de oeste para leste, nas vizinhanças da eclíptica.
UMA DANÇA SOBERBA
Em 2020 vai acontecer mais uma conjunção magna. Será no dia do solstício de verão, 21 de dezembro. Os leitores que prestam atenção ao céu já podem estar acompanhando o lento bailado dos dois planetas, começando em janeiro na madrugada, antes do nascer do Sol, depois antecipando-se, ambos nascendo ao redor da meia noite no princípio do outono, à medida que se aproximam de suas respectivas oposições ao Sol. Em julho, nascerão a leste no instante do por do Sol, cruzarão o meridiano ao redor da meia noite, e terão ocaso mais ou menos juntos, ao raiar do dia. Com a chegada da primavera, a sua visibilidade vai ficando progressivamente mais restrita à primeira parte da noite, até que, em dezembro, eles já estarão caídos na direção do poente, durante o crepúsculo, a caminho de suas conjunções solares, que acontecerão no início de 2021.
No primeiro dia de Janeiro de 2020, a separação angular entre Júpiter e Saturno era de 14.7o, e os dois planetas se moviam com movimento direto entre as estrelas da constelação de Sagittarius (Sagitário). Como Júpiter é mais rápido, a distância aparente entre eles diminuiu 10 graus até 14 de maio, quando atingiu 4.7o. Neste dia, às 15 horas(todas as datas e horários neste trabalho são referidos ao fuso TU – 3h), Júpiter tornou-se estacionário, prestes a iniciar a fase de movimento retrógrado que antecede sua oposição solar. Três dias antes, às 06 horas de 11 de maio, Saturno também estacionou, começando a retrogradar. Passa a ocorrer, então, um distanciamento progressivo entre os dois planetas, uma vez que Júpiter retrograda mais rápido. Com efeito, a separação entre ambos começa a aumentar, e isto acontece até 12 de setembro, quando atinge 8.2o. Neste dia às 20 horas, Júpiter encontra-se, mais uma vez, estacionário, desta vez passando a reassumir seu movimento direto (de oeste para leste no céu), sendo imitado por Saturno duas semanas depois, em 28 de setembro, às 23 horas. Portanto, a partir de 12 de setembro, a separação angular entre os dois planetas começa a diminuir, num ritmo inexorável rumo à conjunção de dezembro, quando a separação entre os dois planetas será de apenas 6′ (6 minutos de arco)! Como analisaremos na sequência, esta distância mínima é a menor atingida numa conjunção magna em 397 anos, desde 16 de julho de 1623!
Antes disso, porém, os dois planetas oferecem, juntamente com a Lua, algumas oportunidades notáveis de agrupamentos aparentes no céu. A Tabela 1 lista todas as conjunções de Júpiter e de Saturno com o nosso satélite, que ocorrem ao longo de 2020, fornecendo data, hora, e separação angular.
As oposições destes planetas acontecem em 14 de julho, às 04 horas, para Júpiter, e no dia 20 de julho, às 19 horas, para Saturno.
MÊS | JÚPITER | SATURNO |
JANEIRO | 22, 23h, 0.4o N | 23, 23h, 1.5o N |
FEVEREIRO | 19, 16h, 1.0o N | 20,11h, 1.8o N |
MARÇO | 18, 07h, 1.6o N | 18, 21h, 2.0o N |
ABRIL | 14, 20h, 2.0o N | 15, 07h, 2.5o N |
MAIO | 12, 07h, 2.0o N | 12, 16h, 2.5o N |
JUNHO | 08, 15h, 2.0o N | 09, 00h, 2.5o N |
JULHO | 05, 19h, 2.0o N | 06, 06h, 2.5o N |
AGOSTO | 01, 20h, 1.5o N | 02, 11h, 2.5o N |
28, 22h, 1.5o N | 29, 17h, 2.0o N | |
SETEMBRO | 25, 04h, 1.5o N | 25, 18h, 2.5o N |
OUTUBRO | 22, 14h, 2.0o N | 23, 01h, 2.5o N |
NOVEMBRO | 19, 06h, 2.5o N | 19, 12h, 3.0o N |
DEZEMBRO | 17, 02h, 3.0o N | 17, 03h, 3.0o N |
Tabela 1
Conjunções lunares de Júpiter e Saturno em 2020.
(Fonte: Anuário Astronômico Catarinense 2020, Alexandre Amorim).
A CONJUNÇÃO MAGNA DE 2020
Em 2020, a conjunção entre Júpiter e Saturno acontecerá dia 21 de dezembro, às 15 horas, Tempo Legal do fuso -3h. Por coincidência, será no mesmo dia do solstício de verão para o hemisfério sul. A separação mínima, como já aludido, será de 6 minutos de arco, equivalente a 1/5 do diâmetro aparente da Lua Cheia, a menor desde 16 de julho de 1623 (quando tivemos 5 minutos de arco). Outra conjunção tão próxima quanto a deste ano, só acontecerá em 05 de março de 2080, repetindo a marca de 6′.
A Figura 3 mostra a simulação de uma visão ampliada, como se fosse através de um telescópio. Os dois planetas caberão folgados dentro de uma ocular de baixo aumento (e.g., 45 vezes). A simulação foi feita para as 20h30min do dia 21 de dezembro.
No primeiro dia do mês, a separação entre Júpiter e Saturno estará em 2.2 graus, caindo para 1.3o no dia 10, 43.3′ no dia 15,11.4′ dia 20, e então 6’6″ às 15 horas do dia 21. Na véspera do Reveillon, os dois planetas já estarão separados por 1 grau, distanciando-se progressivamente.
Em Porto Alegre, dia 21, o Sol tem ocaso às19h25min. Júpiter e Saturno terão ocaso as 21h24min. No final do crepúsculo civil, às 19h53min, ainda com o céu bastante claro, eles estarão a 18.3o de elevação, na direção WSW. No fim do crepúsculo náutico, às 20h27min, a altura do par cai para 11.3o, e no fim do crepúsculo astronômico, às 21h03min, apenas 4.0o. Júpiter terá magnitude -2.0, enquanto Saturno, mais pálido, magnitude +0.6. A conjunção tem lugar numa elongação de apenas 30o a leste do Sol, na constelação de Capricornus (Capricórnio).
CONJUNÇÕES MAGNAS NO PASSADO E NO FUTURO
A Tabela 2 fornece uma listagem completa de todas as conjunções magnas no período compreendido entre 1583 e 2100, informando a data e a separação mínima entre Júpiter e Saturno, alcançada em cada ocasião.
Observa-se que, ao longo de todo aquele período, aconteceram quatro conjunções tríplices: 1683, 1821, 1940, e 1981. As próximas só ocorrerão em 2238-9 (com separação mínima de 44′) e em 2279 (73′). Estas conjunções resultam das circunstâncias específicas dos movimentos diretos e retrógrados dos dois planetas, e são bastante raras. Johannes Kepler (1571 – 1630) foi o primeiro a sugerir que uma conjunção magna tríplice, ocorrida nos anos -8 a -7, pudesse ter sido a famosa “estrela de Belém”, que segundo a mitologia cristã, teria guiado os Reis Magos até o local do nascimento de Jesus.
DATA | SEPARAÇÃO MÍNIMA | OBSERVAÇÕES |
03.05.1583 | 52′ | |
18.12.1603 | 59.7 | |
16.07.1623 | 5 | |
24.02.1643 | 59 | |
16.10.1663 | 58.7 | |
24.10.1682 | 15.4 | Conj. Tríplice |
08.02.1683 | 11.5 | |
17.05.1683 | 15.8 | |
22.05.1702 | 63 | Com Triângulo Magno! |
05.01.1723 | 48 | |
30.08.1742 | 27.7 | A 1o de Regulus |
18.03.1762 | 69 | |
05.11.1782 | 44.5 | |
21.07.1802 | 42 | |
25.06.1821 | 75 | Conj. Tríplice |
22.11.1821 | 80 | |
23.12.1821 | 82 | |
25.01.1842 | 32 | |
15.10.1861 | 52 | |
22.04.1881 | 78 | |
28.11.1901 | 27 | |
14.09.1921 | 62 | |
15.08.1940 | 75 | Conj. Tríplice |
11.10.1940 | 77 | |
20.02.1941 | 81 | |
18.02.1961 | 14 | |
14.01.1981 | 69 | Conj. Tríplice |
19.02.1981 | 69 | |
30.07.1981 | 72 | |
31.05.2000 | 71 | |
21.12.2020 | 6 | |
05.11.2040 | 74 | |
10.04.2060 | 69 | |
05.03.2080 | 6 | |
24.09.2100 | 78 |
Tabela 2
Conjunções Magnas entre 1583 e 2100.
É possível encontrar referências a conjunções magnas nos trabalhos de Dante, e em algumas obras de Shakespeare. Na astrologia, durante a Alta Idade Média, estas conjunções eram frequentemente relacionadas com a ocorrência de catástrofes.
CONJUNÇÕES MAGNAS EXTREMAS
Entre 1583 e 2020, somente 3 conjunções entre Júpiter e Saturno tiveram separações mínimas inferiores a 1/4 de grau (15′): 1623, 1961, e 2020. Existem registros de algumas outras ainda mais cerradas. Em 28 de dezembro de 424 a.C., numa elongação de apenas 16.5 graus E do Sol, os dois planetas ficaram separados por tão somente 2′, o que representa 1/3 da separação que será atingida no presente ano.
No futuro, serão notáveis as conjunções magnas de 08 de março de 4523, bem como a de 01 de julho de 6687, ambas com separações mínimas da ordem de, ou inferiores a apenas 1′! Neste último evento, uma visão ao telescópio revelará os satélites de Júpiter embaralhados com os de Saturno! Iapetus, por exemplo, estará visível entre as luas jupiterianas Calisto e Ganimedes (veja a Figura 6)!
Com frequência encontram-se alusões na literatura sobre uma conjunção magna que teria acontecido em 17 para 18 de fevereiro de 3102 a.C., ao cair da noite, em Pisces. Mas esta conjunção não aconteceu. Naquela data, os planetas visíveis a olho-nu se distribuíam por um arco eclíptico de 40 graus, com Júpiter em um extremo, e Saturno no outro, do outro lado da posição do Sol. O que, sim, aconteceu foi uma conjunção de Vênus com Júpiter e a Lua, desenhando no céu do poente um “triângulo magno”. Mas mesmo este não foi muito notável, porque a elongação solar era de tão somente 12.8 graus leste. Ademais, a Lua crescente achava-se apenas 1.7% iluminada, Júpiter e Vênus distavam entre si apenas 16′, e a distância de cada um até a Lua era de 3 graus (um triângulo praticamente isósceles, muito fechado). Uma conjunção magna realmente aconteceu no dia 7 de dezembro de 3105 a.C., com separação mínima de 30′ (equivalente ao diâmetro da Lua Cheia), a 14 graus leste do Sol, em Capricornus.
OCULTAÇÕES DE SATURNO POR JÚPITER
O caso mais extremo de uma conjunção magna seria aquele onde a separação angular mínima entre os dois planetas fosse literalmente zero, ou da ordem de menos de meio minuto de arco. Nestes casos, uma ocultação total ou parcial de Saturno por Júpiter poderia acontecer.
Eventos de ocultações de um planeta por outro são extremamente raros. A última ocultação planetária aconteceu em 03 de janeiro de 1818, quando Vênus ocultou Júpiter. A próxima será outra ocultação de Júpiter por Vênus, em 22 de novembro de 2065. Infelizmente este evento acontecerá numa elongação solar de apenas 8 graus, tornando-o impossível de ser acompanhado sem a ajuda de aparelhos.
As ocultações de Saturno por Júpiter estão entre as mais raras entre todas as ocultações mútuas de planetas. A última verificou-se há mais de 8 mil anos, e a próxima será só em 10 de Fevereiro de 7541! É torcer para não chover…
REFERÊNCIAS
– Albers, S. C. (1979). Sky and Telescope, …., (3), 220
– Amorim, A. (2019). Anuário Astronômico Catarinense 2020, Núcleo de Estudos e Observações Astronômicas José Brazilício de Souza, Florianópolis
– Bogan, L. (1999). Mutual Planetary Occultations, Past and Future, www.bogan.ca
– de Meis, S., Meeus, J. (1994). J. Brit. astr. Ass., 104, 293
– Meeus, J. (1970). J. Brit. astr. Ass., 80, 282
– Takesako, S. (2016). Mutual Occultations of Planets: -2000 to +3000 by DE-431, www.kotenmon.com
– van der Waerden, B. L. (1980). Centaurus, 24, 117
ωκ-TA-2020.01
da Silva, L. A. L., Sbardelotto, D. R.