Crônicas

ECONOMIA É CIÊNCIA?

Luiz Augusto L. da Silva*

Sustento que não. Mais: como já afirmei na  Oficina de Astronomia® 442 (Astrosociologia, Sobrevivência e Educação, disponível em nosso canal no Youtube), considerar a economia uma ciência é ofender a ciência! Certa vez, um cidadão discutiu comigo, vociferando que, como astrofísico, eu deveria limitar-me a falar sobre planetas, estrelas e galáxias, nunca sobre aquilo que eu não entendia. Não me importo. Reafirmo: a economia não pode ser considerada uma ciência. Jamais.

Você pode estudar economia nas universidades, a nível de graduação e pós-graduação. Mas o mesmo seria válido, em tese, para a astrologia… Economia e astrologia não são ciências. A astrologia é uma crença multimilenar estruturada como pseudociência. Você pode, até mesmo, ganhar um prêmio Nobel de economia. Mas a economia, ao contrário da astrologia, não é digna nem mesmo do rótulo pseudocientífico. Não passa de jogo, torpe, sujo, definido por regras arbitrárias, erguidas sobre as fundações da injustiça e da desigualdade. Este jogo trágico, frio, sanguinário e hipócrita, de vencedores e derrotados, fortes e fracos, surgido nos albores da civilização humana, vem atravessando milênios, respaldado pelo baixíssimo nível ético-moral do homem. Este atraso tem embasamento no egoísmo, filho primogênito da ganância e da agressividade, cultivadas geneticamente pela seleção natural darwiniana, atuando durante milhões de anos, desde nossos antepassados simiescos mais remotos.

A crença em horóscopos, por mais fanática e extremada que possa ser, não mata direta ou indiretamente milhões de pessoas e bilhões de animais todos os anos pelo mundo afora. A economia, enquanto evangelho sagrado da religião do dinheiro, sim.

A economia cumpre papel análogo ao da teologia nas religiões. Ela justifica o credo fanático, cego e completamente irracional do culto monetário, seita única e maior, seguida pelos fiéis Homo “sapiens”. Verdade seja dita: todos os demais deuses foram, de uma forma ou de outra, inventados para servirem de lacaios de um deus maior chamado Dinheiro. Demonstração cabal disso é que todos – sejam cristãos, muçulmanos, judeus, batuqueiros, budistas ou ateus – sem diferença, correm atrás do dinheiro da mesma forma e com a mesma sofreguidão. Ainda pior: todas as religiões oferecem a liberdade de segui-las, ou não. Menos a religião do dinheiro. Ou você a pratica, ou então morre.

Por alguma razão, provavelmente condicionada pelo genoma, a inteligência autoconsciente humana necessita cultuar deuses, territórios, e moedas. Tais elementos podem parecer diferentes entre si, mas são, todos, lados de um triângulo único, lá bem no fundo, uma coisa só.

Leis

A ciência conhece várias leis: as leis da mecânica, do eletromagnetismo, da termodinâmica, entre outras. Estas leis são inerentes à natureza. Não podem ser revogadas nem alteradas, não importa a opinião que possamos ter sobre elas. Se saltar de um prédio sem paraquedas, você morrerá, concorde ou não com a lei da gravitação universal. A segunda lei da termodinâmica, implacável, nos faz envelhecer a cada instante, mesmo que nos revoltemos contra ela. Canetaço nenhum é capaz de reverter seus efeitos inexoráveis.

Quais são as “leis” da economia? Uma das mais conhecidas talvez seja a “lei da oferta e da procura”. Formulação explícita, e escancarada, do Princípio da Chantagem. Nada nos impede de revogá-la a qualquer momento, se quisermos. Vejamos um exemplo: certo produto torna-se escasso, ou muito procurado, então seu preço sobe. Se abundante, o preço cai. As coisas só acontecem assim por causa do já aludido baixo nível ético-moral da humanidade. Poderia, e deveria, ser diferente: em uma sociedade educada, qualquer produto, independente de abundância ou escassez, deveria ter sempre valor igual. A esmagadora maioria das pessoas não enxerga isso.

Ouro e Prata

Mponeng, a mina de ouro mais profunda, e também a mina mais profunda do mundo, localiza-se a sudoeste de Johannesburgo, na África do Sul. Avança mais de 4 quilômetros crosta adentro. A história humana registra incontáveis episódios de guerras, saques, febres e corridas de ouro. Alquimistas medievais buscavam a “pedra filosofal”, capaz de transmutar qualquer “metal inferior” em ouro. A Midas, rei da Frígia do século VIII a.C., era atribuído o mito de transformar em ouro tudo o que tocava.

Por quê os sapiens são tão fascinados, e atribuem tanto valor, a um dos elementos químicos mais inúteis da tabela periódica? A diferença entre um átomo de ouro e um átomo de mercúrio não vai além de um próton, um nêutron, e dois elétrons a mais, no caso deste último. A idolatria do ouro é nossa maior declaração de atraso e irracionalidade.

E a prata? Por quê será que também se lhe atribui tanto valor? Com certeza isto não se deve apenas a suas excelentes propriedades de condutividade térmica e elétrica. Existe algo mais por trás de tudo isto.

Ouro e prata. Sol e Lua. Pai e mãe. Percebem? Freud explica. A maioria das moedas, antigas ou modernas, tem formato circular. No início, costumavam ser de ouro, ou de prata, e com frequência traziam cunhadas as faces dos mandatários que as imprimiam. Amuletos, identificados com os deuses máximos universalmente cultuados em todas as sociedades primitivas.

As raízes mais profundas, talvez inconscientes, dos princípios econômicos assentam-se no universo obscuro do misticismo. Que representou, é certo, o primeiro esforço pré-científico de uma mente inteligente autoconsciente, ansiosa por tentar entender o mundo e a razão da sua própria existência. Autoconsciência que lhe permitia, também, antever a certeza da morte, e sonhar com outra vida depois dela.

Desconfio que também cultuamos pedras “preciosas”, como diamantes, esmeraldas e turmalinas, conferindo-lhes grande valor, simplesmente porque faíscam, como as estrelas. E, se tivéssemos evoluído na órbita de uma anã vermelha, provavelmente substituiríamos o ouro pelo cobre, em nossa escala arbitrária – e ilógica – de valores.

A Catapulta da Civilização

Em seu best-seller Sapiens (2015, L&PM Editora, Porto Alegre), o historiador israelense Yuval Noah Harari (1976 –       ) escreve que a invenção do dinheiro alavancou o progresso da civilização humana.

Ele cita, como exemplo hipotético e didático, o caso de um agricultor que cultivava maçãs e que, um dia, precisou de um par de botas novas. Procurou, então, seu vizinho, que dominava a arte da confecção de calçados, e lhe ofereceu um saco cheio de maçãs, em troca de um par de botas. O vizinho recusou a proposta, porque já tinha, ou simplesmente não queria maçãs. O dinheiro, diz Harari, permitiu uma versatilidade tremenda. Se, ao invés de maçãs, o agricultor houvesse oferecido dinheiro, teria as botas novas de que tanto necessitava. O sapateiro,  por sua vez, não recusaria atender ao pedido pois, com o dinheiro, poderia, por exemplo, ter acesso ao alimento necessário para o sustento da sua família, ou comprar um vestido novo para sua mulher, feito por aquela vizinha costureira. Neste sentido, o dinheiro representou uma invenção espetacular, tornando-se a mola propulsora do progresso da sociedade. Tudo isto está correto. Foi assim. Não se pode negar a história.

Mas a questão fundamental aqui é outra, bem mais profunda. As coisas aconteceram do jeito que aconteceram porque, no exemplo acima, o vizinho sapateiro agiu de maneira egoísta, pensando na sua própria conveniência. Se fosse educado, isto é, se tivesse um alto grau de desenvolvimento ético-moral, não precisaria aceitar as maçãs. Também o agricultor não precisaria nem mesmo tentar trocá-las por um par de botas.

Como assim? Simples! O agricultor disponibilizaria suas maçãs no mercado público da comunidade, para quem as quisesse ou necessitasse. O sapateiro forneceria as botas para o agricultor sem nada lhe pedir em troca, ciente da necessidade legítima deste último, seu irmão e semelhante. Os alimentos, necessários para seu sustento e o de sua família, estariam a sua disposição no mercado, enquanto o vestido novo lhe seria entregue pela costureira, mediante pedido. E assim por diante. O médico assistiria aos doentes, o arquiteto construiria moradias, os cientistas fariam pesquisas, os engenheiros desenvolveriam tecnologias, etc, cada um desempenhando suas atividades, utilizando seus conhecimentos para o bem da sociedade e, em troca, todos usufruindo e tendo acesso gratuito a tudo o que necessitassem e desejassem, com a melhor qualidade, dentro de limites saudáveis, razoáveis, e racionais. Numa sociedade educada, a razão para todos agirem assim seria uma só: maximizar as chances de sobrevivência, frente à natureza indiferente e, com bastante frequência, cruel.

Coronavírus

O fato de a civilização humana não funcionar como foi descrito no parágrafo anterior, exemplifica o grau de atraso em que nos encontramos. Permanecemos atrelados a modelos que pregam acumulação de falsas riquezas, todas imaginárias e convencionadas, ampliando desigualdades ao invés de reduzi-las e eliminá-las, presos à ideia de  crescimento econômico por meio de uma espiral tresloucada, sempre ascendente, que ignora as limitações dos recursos existentes no nosso planeta. O grande físico teórico e cosmólogo inglês Stephen Hawking (1942 – 2018) já observava, em seu livro Breves Respostas para Grandes Questões (2018, Editora Intrínseca, Rio de Janeiro), que nenhum crescimento exponencial pode continuar para sempre.

Em meio a toda esta insanidade, eis que enfrentamos uma crise internacional de saúde sem precedentes, por conta da pandemia de coronavírus. Um micróbio que colocou o mundo de joelhos, nas palavras de Tedros Ghebreyesus (1965 –     ), diretor-geral da Organização Mundial de Saúde. Depois do vírus, dizem os “especialistas”, sobrevirá a “crise econômica”. Claramente se vê que tal “crise” simplesmente não existiria, se a civilização já houvesse se desvencilhado de moedas, bolsas de valores, adorações de metais raros  e cristais reluzentes, bem como de orgulhos territoriais e cultos patrióticos. A própria pandemia poderia, quiçá, ter seus efeitos arrasadores bastante minimizados, dentro daquela conjuntura hipotética.

Todos os problemas – do homem e os do planeta – persistem por aí pela nossa falta de educação. A continuarmos por este caminho, é provável que a luz da inteligência autoconsciente humana, que alumia humildemente nosso recanto obscuro da Via Lactea, venha a se apagar, tal como a chama bruxuleante de uma vela, frágil e indefesa, frente ao sabor das rajadas indiferentes do vento, muito antes da morte do próprio Sol. Seriam, então, verdadeiras as palavras tristes e derradeiras de Flávio Migliaccio (1934 – 2020), grande ator, diretor e roteirista brasileiro que nos deixou faz pouco: “a humanidade não deu certo”.

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* Astrônomo, presidente do Conselho Curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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