Assim como “nebulosa planetária”, “novas” e “supernovas” são expressões enganadoras, largamente usadas em astrofísica. Sugerem uma coisa, e são outra. Para aumentar ainda mais a confusão, em anos recentes os cientistas cunharam mais dois termos semelhantes: hipernovas, e kilonovas…
NOVAS
Vamos seguir a ordem histórica. Desde a Antiguidade até a Idade Média, os astrônomos compartilhavam a opinião de que o firmamento estelar era imutável. Influência aristotélica. Estrelas não surgiam, nem desapareciam. Sempre haviam estado lá. Todas, sem exceção. Mas, em algumas notáveis ocasiões, os céus desafiaram a sapiência humana. No ano 1006, uma estrela “nova” de brilho espetacular apareceu temporariamente na constelação austral de Lupus (Lobo). Em 1054, outra igualmente notável foi registrada em Taurus (Touro) pelos astrônomos chineses, porém solenemente ignorada pela ciência europeia. E mais uma vez em 1572, esta assinalada pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546 – 1601). Ainda outra luziu em 1604, ficando conhecida como a nova de Johannes Kepler (1571 – 1630).
Um telescópio foi apontado para o céu pela primeira vez por Galileu Galilei (1564 – 1642) em 1609, na Itália, mas nenhuma outra “estrela temporária” ou “hóspede”, como a elas se referiam os chineses, foi observada por mais de dois séculos e meio. Então, no ano de 1848, o astrônomo inglês John Hind (1823 – 1895) detectou uma nova de quinta magnitude na constelação de Ophiuchus (Ofiúco). A partir daí, o ritmo das descobertas se acelerou, e nos dias atuais muitas novas são descobertas a cada ano, geralmente nas proximidades do plano do disco galáctico. A maioria não atinge visibilidade a olho nu, quando no brilho máximo, embora algumas sejam mais notáveis, como a Nova Aquilae 1918, que explodiu na constelação de Aquila (Águia), alcançando a magnitude visual -1 no período de brilho mais intenso (quase o brilho de Sirius, a estrela mais brilhante do céu). Aliás, a evolução fotométrica desta nova foi acompanhada em Porto Alegre pelo astrônomo alemão Friedrich Rahnenfüher, que era o diretor do Observatório Astronômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), contratado em 1911, conforme se lê no relatório do Instituto Astronômico e Meteorológico, Seção de Astronomia, correspondente a aquele ano.
O modelo padrão para explicar as novas, admitido na atualidade, supõe um sistema binário onde uma estrela anã branca captura hidrogênio da atmosfera da sua estrela companheira, acumulando-o na superfície até acontecer uma explosão nuclear. A anã branca sobrevive, e o processo de transferência de massa se reinicia. Uma nova explosão ocorrerá, tipicamente, dentro de mais algumas dezenas ou centenas de milhares de anos.
SUPERNOVAS
Em 1885, uma estrela de sétima magnitude apareceu em cima da “nebulosa de Andrômeda”, uma mancha difusa conhecida há séculos, na constelação homônima. Após um tempo, ela desapareceu. Foi denominada S Andromedae. Algo semelhante pode ter acontecido na mesma “nebulosa” em 1664, embora isto seja posto em dúvida por alguns autores. Quando o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953) mostrou, nos anos 1920, que a “nebulosa” de Andrômeda era, na realidade, uma galáxia como a Via Lactea, a uma distância muito grande de nós, ficou claro que a S Andromedae não tinha sido uma nova comum. Seu brilho intrínseco era muitíssimo superior ao das novas ordinárias que apareciam costumeiramente na nossa Galáxia.
Não tardou para serem descobertas outras semelhantes em galáxias análogas. E também muitas novas de brilho bem inferior ao de S Andromedae na galáxia de Andrômeda. Estes resultados evidenciaram a existência de duas categorias de estrelas explodentes: as novas comuns, e as “novas” excepcionalmente luminosas, as “supernovas”.
Hoje sabemos que, além da diferença em luminosidade intrínseca, os mecanismos físicos envolvidos nas supernovas são muito diversos. Algumas resultam da explosão total de uma estrela anã branca que captura massa em um sistema estelar binário, ultrapassando o chamado limite de massa de Chandrasekhar, calculado teoricamente pela primeira vez pelo físico de origem indiana Subrahmanyan Chandrasekhar (1910 – 1995). Outras derivam do colapso gravitacional de estrelas muito antigas, que não conseguem mais realizar reações de fusão nuclear, necessárias para manter suas condições de equilíbrio hidrostático.
Agora sabemos que as “novas” de 1006, 1054, 1572, e 1604 foram, na realidade, supernovas que explodiram dentro da nossa galáxia, a Via Lactea.
Percebemos, assim, quão enganadoras são as palavras “novas” e “supernovas”. Parecem referir-se a estrelas que antes não existiam, ou que seriam de origem muito recente, mas na verdade são estrelas que tinham brilho muito menor, ou estrelas muito evoluídas, isto é, velhas, que já estão morrendo.
HIPERNOVAS
O vocábulo hipernova foi criado em anos recentes para indicar a mega explosão terminal e catastrófica de uma estrela progenitora hipermassiva (ao redor de 100 massas solares). Eta Carinae, localizada a cerca de 7500 anos-luz do sistema solar, é uma provável candidata a hipernova num futuro não muito distante. Uma explosão de hipernova libera cem vezes mais energia que uma supernova ordinária, e muitos cientistas consideram que não existe fenômeno explosivo mais energético no universo. Somente o próprio Big Bang teria sido maior (embora o Big Bang não tenha sido, rigorosamente, uma explosão).
Os resultados de uma hipernova são um buraco negro e uma maciça erupção de raios gama altamente colimados em dois jatos opostos. Felizmente, para nós, no caso de Eta Carinae, a “arma” não parece estar apontada para o Sol. Caso contrário, seria nosso fim: um pulso de raios gama proveniente de uma hipernova próxima que atingisse a Terra seria um carrasco perfeito, liquidando imediatamente com todo o planeta e qualquer forma de vida presente nele. Confesso que, às vezes, acordo e fico pensando: será que Eta Carinae já não explodiu, em algum momento dentro dos últimos 7500 anos?…
KILONOVAS
O termo kilova foi criado em 2010 por B. Metzger, V. Petrosian e outros, para referir-se à fusão de duas estrelas de nêutrons em um sistema binário cerrado. Em termos de luminosidade, uma kilonova é menos brilhante que uma supernova, embora seja cerca de mil vezes mais luminosa que uma nova normal, e 100 milhões de vezes mais luminosa que o Sol.
Este tipo de fenômeno atira pedaços de matéria nuclear ultradensa espaço a fora em todas as direções, com velocidades que atingem 20% a 30% da velocidade da luz no vácuo. À medida que se expandem, estes fragmentos diminuem de densidade. São principalmente nêutrons e prótons, que passam a se combinar rapidamente, formando núcleos atômicos pesados. Capturando mais nêutrons, estes núcleos acabam por dar origem aos elementos de maior massa da tabela periódica como, por exemplo, os da série dos Lantanídeos.
De fato, hoje se acredita que todos os elementos químicos mais massivos que o ferro sejam produzidos em kilonovas. Neste particular, um dado curioso é que uma explosão típica de kilonova produz cerca de 10 massas lunares de ouro puro! Embora esta quantidade possa fascinar e iludir muita gente gananciosa, basta um pouco de esclarecimento para enxergar a realidade: é ouro, sim, e daí? Pegue um átomo de mercúrio, retire um próton, um elétron, e dois nêutrons, e você obterá um átomo de ouro, um dos elementos mais inúteis, em sua origem apenas um resíduo de reações nucleares. Sem meias palavras: cocô estelar…