No outono de 1976, na esteira da aquisição do meu segundo telescópio, comecei a editar um boletim denominado “O Retículo”, que distribuía para outros colegas com os quais mantinha correspondência sobre assuntos de astronomia. Datilografado e reproduzido em xerox, seguia a mesma linha das demais publicações de astrônomos amadores existentes no Brasil naquela época. Mesmo com tiragem muitíssimo inferior à do jornal COSMOS, distante ainda 16 anos no futuro, “O Retículo” permitiu-me ampliar o intercâmbio com outras associações, ao mesmo tempo em que divulgava modestamente resultados observacionais: estimativas visuais da magnitude de estrelas variáveis, cronometragens dos eclipses dos satélites de Júpiter, desenhos da superfície lunar, e contagens de manchas solares, por exemplo.
Quando assumiu a direção da hoje extinta União Brasileira de Astronomia (UBA) em 1979, o padre holandês Jorge Polman, radicado em Recife e mentor do Clube Estudantil de Astronomia (CEA), que funcionava anexo ao Colégio São João, no bairro da Várzea, propôs um prêmio para o primeiro astrônomo amador brasileiro que descobrisse um cometa. Era início dos anos 1980. Associações pipocavam por todos os lugares. No Rio Grande do Sul, nascia a Sociedade Astronômica Riograndense (SARG). O Observatório do Capricórnio acabara de se mudar da capital paulista para o Monte Urânia, próximo a Campinas, encampado pela municipalidade. A UBA estava no auge. O cometa Halley se aproximava mais uma vez, a primeira, desde 1910. Mesmo assim, encontros estaduais, regionais ou mesmo nacionais de astrônomos amadores eram eventos raríssimos.
Bola de Fogo
Tempus fluit. Por volta das 21h30min da quinta-feira, 6 de junho de 2019, milhares de pessoas em dezenas de cidades gaúchas, do Uruguai e da Argentina, foram surpreendidas pela aparição de um bólido de brilho extraordinário. Deslocando-se de norte para o sul, ele começou a ser visível quando estava a 57 km de altitude sobre o pequeno povoado de 25 de Mayo, na Argentina, deslocando-se a 50 mil quilômetros por hora por 200 km em 13,5 segundos, apagando-se 27 km na vertical da cidade gaúcha de Jari, não sem antes produzir efeitos sônicos, e de vibração mecânica no solo, por propagação de uma onda de choque.
Todos estes dados foram deduzidos a partir de triangulações feitas sobre imagens e vídeos. Tudo por conta de alguma agência científica estrangeira, talvez a NASA, certo? Errado. Os dados foram divulgados por Marcelo Zurita, diretor técnico da Brazillian Meteor Observing Network (BraMON)! Além de rastrear bólidos, na edição 2019 do estupendo Anuário Astronômico Catarinense, autoria de Alexandre Amorim, do Núcleo de Estudos e Observações Astronômicas (NEOA) em Florianópolis, lemos que, até o presente, de acordo com o Meteor Data Center da União Astronômica Internacional, esta rede brasileira já descobriu 127 prováveis novos radiantes meteóricos.
Hoje
Astrônomos amadores brasileiros já descobriram cometas. E supernovas extragalácticas distantes em imagens CCD. Outros detectam trânsitos de exoplanetas com precisão de milésimos de magnitude. Astrofotos brasileiras nada deixam a desejar quando comparadas às obtidas no exterior. Associações como a Rede de Astronomia Observacional (REA), e o Grupo Alfa Crucis, reúnem elementos competentes trabalhando com instrumental de ponta. Os antigos boletins monocromáticos xerografados foram substituídos por homepages e publicações digitais, com excelência de conteúdo e qualidade visual. Temos um Dia Nacional da Astronomia (2 de dezembro) oficialmente reconhecido pelas autoridades, e encontros e simpósios são frequentes e numerosos. Ainda de acordo com o Anuário Astronômico Catarinense, em 2019 ocorrem o IV Encontro Rio Grandense de Astronomia, o 16o Encontro Paranaense de Astronomia, o XIX Encontro de Astronomia do Nordeste, o 12o Encontro Brasileiro de Astrofotografia, o VIII Simpósio Catarinense de Astronomia, e o 22o Encontro Nacional de Astronomia (provavelmente em novembro, na cidade cearense de Sobral, no ano do centenário do eclipse solar total que ajudou a comprovar o desvio da luz na presença de um campo gravitacional).
Olhando para trás, vemos que as sementes plantadas ao longo do caminho arduamente desbravado por monstros sagrados incansáveis como Rubens de Azevedo, Jean Nicolini, Nelson Travnik, Roberto Frangetto, Vicente Ferreira de Assis Neto, José Manoel Luiz da Silva, e tantos outros que injustamente deixamos de citar, frutificaram. Ad astra per aspera, e devagar, finalmente chegamos lá!