Astronomia Hoje

CIÊNCIA CONFIRMA BURACO NEGRO NO NÚCLEO DE GALÁXIA GIGANTE

Seis artigos publicados em 10 de abril na revista científica Astrophysical Journal Letters, com mais de 200 autores de 60 instituições científicas, deram a conhecer a primeira “imagem” obtida até agora de um buraco negro central supermassivo com 6,5 milhões de massas solares, situado no coração da galáxia elíptica M 87, localizada no aglomerado de galáxias de Virgo (Virgem), a 54 mega-anos-luz de distância.


Imagem em cores falsas do “monstro” e seu disco de acresção, no centro da galáxia esferoidal gigante M 87 (Crédito: Event Horizon Telescope).

Vale ressaltar que não se trata de uma imagem óptica, e sim uma imagem em cores falsas, construída a partir de medidas de alta resolução do fluxo de emissão de ondas de rádio. Ela foi sintetizada a partir de observações simultâneas realizadas por oito radiotelescópios localizados na Antártida, no Chile, na Espanha, México e Estados Unidos, que simulavam uma única antena com diâmetro igual ao terrestre.

Pode-se ver nitidamente o disco de acréscimo de gás, com formato de toróide (rosquinha) e, no centro, o buraco negro propriamente dito (totalmente escuro). Por sorte, a orientação do disco de acresção é quase perpendicular a nossa linha de visada, o que os astrônomos costumam referir como face on. Se estivesse de lado (edge on), o buraco negro ficaria ocultado pelo disco.

De acordo com os modelos vigentes, o gás atraído pela gravidade intensa de um buraco negro orbita ao seu redor, uma vez que possui momento angular, e vai espiralando, até ultrapassar o horizonte dos eventos, região que corresponde à superfície do buraco negro. O processo é parecido com o caso da água girando ao redor de um ralo de pia, com a diferença que envolve plasma de altíssima temperatura (mais de 106 K), que emite predominantemente raios X. Estes, no entanto, não podem ser captados a partir da superfície terrestre, porque são filtrados pela atmosfera, ao contrário de outras janelas do espectro eletromagnético, como as ondas de rádio.

Além de confirmar as teorias atuais sobre a natureza dos núcleos galácticos ativos, a descoberta recente é mais uma prova de que a luz pode ser desviada, e inclusive capturada por um campo gravitacional intenso, resultado que tinha sido previsto na teoria da relatividade de Albert Einstein.

EVIDÊNCIA ANTERIOR


A região central da galáxia NGC 4261, vista pelo Telescópio Espacial Hubble em 1992: prenúncio da comprovação de uma ideia correta (Crédito: STScI/NASA/ESA).

Talvez os leitores não lembrem mas, já em 1992, o Telescópio Espacial Hubble havia imageado a região central de outra galáxia, a NGC 4261, que também é membro do aglomerado de Virgo. O que o Hubble enxergou, naquela ocasião, foi um toróide espesso de poeira fria, envolvendo o disco de acresção quente e brilhante, situado no seu centro. A resolução era menor, e não havia como distinguir o buraco negro propriamente dito, aninhado dentro do disco de acresção. Além do mais, a inclinação com relação à linha de visada não era tão favorável como no caso de M 87, sugerindo um ângulo de 45 graus. Mesmo assim, aquelas observações já sugeriam fortemente a presença de um buraco negro, validando indiretamente o chamado modelo do “monstro”.

PÁ DE CAL

No final dos anos 1980, outro modelo competia com o do monstro, na hora de explicar os núcleos galácticos ativos: o modelo dos warmers. Warmers seriam estrelas hipermassivas muito quentes e luminosas, que formariam aglomerados compactos nos centros das galáxias (difícil imaginar como um aglomerado desses não entraria em colapso, gerando um buraco negro…). Lembro-me que, um dia, perguntei a um colega, que desenvolvia um estudo teórico destes objetos, se realmente acreditava na sua realidade. Ele respondeu que precisava acreditar, pois aquilo sustentava sua família… A imagem divulgada agora, uma das mais notáveis descobertas da astrofísica contemporânea, jogou uma pá de cal em cima dos warmers.

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