Opinião

“NOVO NORMAL”?!

Luiz Augusto L. da Silva *

Nossa conduta mostra (…) que ainda carecemos

da necessária consciência em escala planetária.

Jonathan Weiner,
Os Próximos Cem Anos, (1990).

            Expressão perversa esta. Forjada pelo modelo econômico vigente, com raízes na ótica insana do capitalismo, utilizada durante a pandemia de coronavírus, e ressuscitada dentro do contexto das catástrofes climáticas, cada vez mais frequentes e extremas.

            Procura incutir mentalidade e comportamento conformistas, ao mesmo tempo em que desvia o foco da culpa do verdadeiro responsável pela situação crítica na qual estamos metidos. Sugere que a adaptação às vicissitudes é tudo o que pode ser feito, resignadamente. O objetivo por trás disso? Preservar o sistema, óbvio.

Memória Curta

            A crise climática é planetária. Aliás, listar todos os exemplos contemporâneos de desastres meteorológicos, ambientais e ecológicos encheria um livro com milhares de páginas. Vamos nos ater apenas ao clima e ao caso do sul do Brasil, estado do Rio Grande do Sul, durante o período 2023-2024 até agora.

            Maio de 2023. A tempestade subtropical Yakekan, de trajetória retrógrada, quase vira um furacão na costa marítima. Uma pessoa morre (houve outra morte no Uruguai também). Em Junho, um ciclone extratropical fez 16 vítimas fatais. No mês seguinte, outro ciclone matou mais 5, com ventos de até 150 km/h, equivalentes a um furacão de categoria 1 na escala Saffir-Simpson, ou um tornado F1 na escala Fujita.

            A primavera chegou no mês de Setembro, com uma grande enchente de São Miguel antecipada ceifando 54 vidas humanas, e incontáveis de outros animais. A tragédia se repetiu em novembro, com mais 5 óbitos.

            Entrou o ano de 2024, e os meses de Janeiro e Março trouxeram tempestades severas que assolaram o estado. E, após 6 dias de chuvas intensas em meados de Abril, como num sinistro presságio, eis que veio novamente o mês de Maio, fechando os últimos doze meses com chave de ouro e requintes de crueldade, num episódio de mega-enchente arrasadora, matando provavelmente mais de 200 pessoas (o número exato ainda não é conhecido), pondo no chinelo a “enchente de 41” como a ela se referia minha avó materna.

            O que vem pela frente, ninguém sabe. Mas, com certeza, não será coisa boa. Também não vai demorar para chegar. A situação só tende a piorar.

O Que Fazer

            Todos discutem, mas ninguém diz o que realmente é necessário fazer, a nível planetário. A constatação número um é que catástrofes naturais sempre aconteceram, e vão continuar acontecendo. São inevitáveis.

            A constatação número dois é que, inegavelmente, a ação do homem está exacerbando diversos tipos de catástrofes naturais em potencial.

            Número três: continuamos a agir assim porque carecemos de educação, de ética, e de moral. Número quatro: não tendo educação, nem ética, nem moral, cultivamos majoritariamente a ganância e o egoísmo, havendo inventado uma aberração chamada dinheiro, além de um jogo mortal denominado Economia.

            Precisamos de educação, de ética, de moral, e de solidariedade. Esta última até aparece, às vezes, quando o gargalo realmente aperta no pescoço da sociedade, como temos visto no evento climático extremo vivenciado pelo povo gaúcho. Surgem voluntários e doações de todos os cantos. Deveria ser sempre assim, não apenas em tempos de catástrofes!

            Necessitamos, com urgência urgentíssima, enjaular de vez loucos genocidas como Trump, Putin, e Bolsonaro, dentre muitíssimos outros que pensam e agem como eles, trancafiando-os em hospícios. Necessitamos varrer sentimentos patrióticos da face da Terra, derrubando todas as fronteiras. Necessitamos substituir religiões e seitas pela cultura racional e o conhecimento científico. Necessitamos banir para sempre desgraças e conceitos como guerras, dinheiro, idolatria de ouro e rochas ditas preciosas, comércio, ganância, negócios, lucros, dívidas, pagamentos, bolsas de valores, juros, empréstimos, a Economia e seus princípios sujos, além de qualquer outro tipo de transação imoral baseada em desigualdades. Para um ser educado racional, todas essas coisas, além de abomináveis, seriam bobagens impensáveis.

            Precisamos adquirir a consciência de que a sobrevivência e o bem estar da civilização, e o de toda a biosfera planetária, são os valores maiores que podem existir, os únicos que realmente fazem sentido, e aqueles que devemos almejar. E, a partir daí, esquecer os verbos vender e comprar, substituindo-os por dar e receber.

            E precisamos eliminar o luxo, modismos e as coisas supérfluas, mas não o conforto. E desistir da ideia fixa de crescimento constante, trocando-a pela noção de estabilização, após uma grande fase de redução, buscando equilíbrio sem abrir mão do avanço científico, tecnológico, ético e moral.

            Precisamos construir uma ordem social inteiramente nova, como jamais existiu neste planeta, que inclua como pressuposto fundamental o respeito extremado por toda e qualquer forma de vida. Só assim estaremos fazendo tudo o que nos é possível em prol do aumento das nossas chances de sobrevivência. Insistir no curso atual é receita certa para o suicídio coletivo.

            Repetimos: ninguém, nem de longe, pensa nisso. Ainda que a maioria pensasse, como iríamos fazer para por em prática tudo isso dentro de um curtíssimo prazo, se ainda não é preciso ir longe para encontrar canalhas que saqueiam casas abandonadas em meio às inundações, ou que violentam mulheres indefesas nos abrigos de refugiados? Como?

            Sou ateu. Mas cito aqui – aplaudindo – as palavras de um grande filósofo, por demais conhecido: “amai-vos uns aos outros…“. Se não fizermos isso, então…

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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www.redeomegacentauri.org                                                                

20240530

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