Opinião

A ENCHENTE DE 24

Luiz Augusto L. da Silva *

            A transição do mês de Abril para o mês de Maio deste ano trouxe um desastre de enormes proporções para o estado do Rio Grande do Sul. A sequência complexa de eventos meteorológicos extremos, que resultou na maior inundação registrada em 83 anos, teve como protagonista o famigerado fenômeno El Niño, potencializado pelo aquecimento global.

            Quando eu era pequeno, ouvia minha avó materna mencionar muitas vezes os transtornos causados pela “enchente de 41“. Naquele ano, também entre abril e maio, e por culpa do Menino, choveu perto de 800 mm em 22 dias. Agora tivemos os mesmos 800 em uma semana, representando um terço da média histórica de um ano inteiro.

            De acordo com a meteorologista Estael Sias, da Metsul Meteorologia, “os números são simplesmente espantosos“, fugindo “absurda e bizarramente ao que é normal.” Ela acrescenta ainda que “definitivamente estamos em uma nova e desafiadora era climática.

            No momento da redação destas linhas, a tragédia ainda estava em curso. Chovia incessantemente, e o dia parecia noite. Rios extravasavam por todos os lados. A previsão para o resto do mês de Maio não era nada animadora.

            Na hora de justificar a ocorrência de tudo que vem acontecendo, a mídia, assim como as autoridades políticas, amparadas no parecer dos cientistas, mencionam bloqueios atmosféricos, bolhas de calor intenso persistentes, correntes de jato em baixas altitudes trazendo ar quente direto da Bolívia, corredores de umidade amazônicos, ciclones, etc.

            Mas o furo é mais embaixo. Reside no comportamento irresponsável e ganancioso dos “sapiens“. Sabemos que não vai haver a mudança comportamental profunda que seria necessária para reduzir, reverter, e evitar a repetição de catástrofes como a que enfrentamos recentemente. Pelo contrário, elas serão cada vez mais frequentes e intensas. O que estamos experimentando é só o começo. Infelizmente vai ficar muito pior. Essa é a única certeza que podemos ter com relação ao futuro.

            De onde vêm a ganância e a irresponsabilidade? Da nossa falta de Educação. Sem ela, não temos ética, nem moral, muito menos conhecimento. E respeito. Por nós e pelos outros. Passamos a buscar valores equivocados, falsas riquezas, além de ilusões estapafúrdias, acreditando em fantasias absurdas e impossíveis. Sem educação nos transformamos em alienados de cabeças ôcas, desprovidos de senso crítico, fantoches manipulados, alvos fáceis para a dominação de poderosos mal intencionados.

            E aí não hesitamos em criar nossas próprias ameaças, ao mesmo tempo em que exacerbamos fatores naturais adversos, pondo em risco a nossa própria sobrevivência. Quando as águas sobem e a energia falta, as telinhas encantadas dos nossos tamagotchis apagam. Então sobrevêm a tristeza e o desespero, sentimentos que não vão, absolutamente, nos tirar do buraco. Nossos lares colapsam, e nossos entes queridos são tragados pela correnteza furiosa de água e lama, junto com pontes, veículos e animais inocentes.

            É triste. Muito triste. Muitíssimo. E não adianta pensar em fugir para outro lugar. O gargalo é global, e está muito bem tampado. Nós mesmos nos esmeramos em selar a garrafa…

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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www.redeomegacentauri.org                                                               

20240503

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